domingo, 18 de janeiro de 2015

por pouco não fui pintora...



O HELICÓPTERO

Helicóptero foi o nome dado a este quadro pelas minhas colegas de trabalho do Celeiro, quando me convidaram para participar numa exposição coletiva da escola há uns bons anos atrás. Desenhei-o e pintei-o em agosto de 2006. Num raro dia em que resolvi ir apreciar a paisagem marítima da Cova do Vapor. Ver o mar. Pensar na ausência de quem navega…

Quem gosta de dar forma às suas ideias, socorre-se das diferentes linguagens artísticas que conhece. Ainda que em miúda, curiosamente, a primeira profissão que me interessou exercer fosse de pintora. Hoje sou apenas autodidata das artes plásticas. Embora ainda antes de saber andar, já gostasse de dançar…

Os nossos pais são os mais influentes nos primeiros anos da nossa existência. E a minha mãe via-me a desenhar e pintar com tanto gosto, por volta dos 3 anos, que dizia que eu iria ser pintora. Também sabia que a música me despertava a curiosidade. Eu mal sabia andar sem ajuda e já me bamboleava à frente de um robusto aparelho antigo de rádio que os meus pais tinham na sala de jantar. E que não me cansava de ouvir. Mantinham-no ligado por minha causa. A minha mãe contava que eu passava tanto tempo a ouvir a rádio que, exausta, deixava cair a cabeça para trás, e em vez de chorar com o impacto que fazia no soalho de madeira, adormecia.

No baú das minhas lembranças muito recuadas, lembro-me de que com os meus quatro anos já desenvolvia uma atividade partilhada que gostava muito com a minha irmã: desenhar à vista anjinhos de guarda. Andávamos a treinar durante o ano todo para no último dia do ano, a 31 de dez, fazermos o nosso anjo da guarda que seria dependurado como prémio numa das paredes da cozinha (que era a divisão onde convivíamos mais com os nossos pais). Era importante a opinião dos nossos pais. E que eles dessem a devida atenção ao que nós sabíamos fazer.

Foi um ritual que se repetiu durante uns anitos. Começou como uma brincadeira. Gostávamos muito de um anjo da guarda de uma estampa do quarto dos nossos pais, no 2ºandar do nº 17 da rua de Alcântara. E resolvemos tentar copiá-lo à vista. Gostávamos, embora fosse complicado: rosto gracioso efeminado, um sorriso sereno, belas asas madrepérola quase a tocar o chão, a proteger duas crianças pobres, abraçadas, a atravessar uma velha ponte sobre um rio. Pintávamos só o anjo. Usávamos os poucos lápis de cor e de cera que tínhamos. No último dia do ano, aperfeiçoávamos a nossa técnica e havia um timing a cumprir: tinha que ficar pronto antes do jantar. Depois dizíamos: - Estes desenhos já os fizemos o ano passado!

E púnhamo-nos a pensar na ideia de não podermos voltar atrás no tempo, que nos fazia uma certa confusão. Podia-se voltar páginas atrás num livro, podia-se andar para trás, podia-se andar com os ponteiros de um relógio para trás… Chegávamos a ter saudades das coisas giras que tínhamos feito no ano que tinha acabado. E falávamos disso numa certa galhofa. Rir por tudo e por nada.

Muitos desenhos eu fiz e os perdi de vista.

Lembro-me de muitos trabalhos que fiz até ao nono ano (é que fui cobaia do ensino unificado). Aprendi a estrutura do corpo humano em folhas de papel manteiga. Desenhei perfis de colegas da turma que a professora na altura me disse que gostou muito. Fiz jogos de cor com matizes rosa e lilás em linhas dinâmicas cruzadas com efeito psicadélico muito colorido. Fiz desenhos à vista de personagens das longas metragens do Walt Disney, que eu tanto gostava de assistir nas manhãs infantis no cinema Promotora, no Calvário, onde passei a levar os meus irmãos mais novos. O Grilo Falante do Pinóquio, que eu mais gostava, ficou tão apuradinho que me desapareceu no dia seguinte da pasta. Até o círculo cromático gostei imenso de fazer… Numa turma gira, de oitavo ano, que me ofereceu tantas prendas no meu dia de anos que não cabiam na tampa da minha mesa de trabalho. E foi numa aula de Educação Visual.

Claro que quando comecei a aprender a ler e a escrever, em livros com ilustrações muito apelativas, ganhei outro fascínio na minha vida: a literatura.


                                                        18 de janeiro de 2015

                                                            Rosa Maria Duarte
                                                        autora: Rosa Maria Duarte
                                                                            título: o helicóptero
                                                                             carvão e ecolines

 

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

crónica publicada no «Setúbal na Rede» e no «Diário da Região»

Educação
por Rosa Duarte
(Professora)


A notícia da morte da velha senhora é exagerada

Ano novo, vida nova. É uma expressão em alta nesta mudança de calendário. O meu pai dizia-a muitas vezes. Há nela algo de obrigação moral com puerilidade, marcada pela economia vocabular típica e pelo sabor popular premonitório.

A morte do ano de 2014 não é exagerada. O estertor da sua morte aconteceu nas últimas horas do dia 31 de dez. Depois de vários sonidos, mais ou menos ruidosos, com glamour q.b. em várias partes do mundo, o seu óbito foi declarado às 00h00.
 
Sobreviventes, avançamos, esperançosos, a página para o novo ano, obedientes ao calendário romano. Esperançosos de que o tempo no calendário de hoje seja mais justo do que a conjuntura social e económica vigente. Continuamos com muito por fazer e repensar. E não há tempo para disparates. Mas se nos atrevêssemos a olhar a história do calendário juliano, nessa altura até os Pontífices alongavam ou encurtavam o ano conforme as suas simpatias com quem estava no poder. A desordem era tanta que chegava ao ponto de o começo do ano estar adiantado cerca de 3 meses em relação ao ciclo das estações.
 
Nós, legítimos filhos dos romanos, já nos livrámos desses desvarios decrépitos e contamos todos o tempo à confiança. Embora ainda com a velha esperança numa mudança a valer. As anteriores ainda não vingaram. É que a mão da corrupção continua a mover os seus dedinhos malandros pelos frisos farpados da cronologia desde o império romano. E está em força, a “dar cartas” no séc. XXI, no ano de 2014, e no outro ano anterior, e no outro antes desse…
 
A velha senhora Esperança pode desanimar, mas a sua morte é exagerada. Não a senhora do outro regime, que essa felizmente já cá não mora, foi “requalificada”, mas a outra anterior a essa e a muitas outras. Que é a dona Esperança, tão velha como a Humanidade.
 
Velha jovem no coração dos portugueses, que ainda vive em muitos projetos e oportunidades para quem não quer desistir de conquistar uma vida nova. Esperemos que com sangue novo, porque no ano de 2014 nasceram em Portugal metade dos bebés dos que nasceram em 1979. Os números dos últimos anos mostram que Portugal é também o país onde as mulheres são mães, pela primeira vez na história, cada vez mais tarde. Em 2013, a idade média da mãe na altura do nascimento do primeiro filho era de 29,7 anos.
 
As escolas abandonadas e sem alunos são a morte de todas as senhoras. As sociedades sem famílias são, queremos acreditar, notícia exagerada. Pois os jovens continuam a lutar lá fora para constituir família cá dentro…os que ainda podem e querem regressar…
 
Aguardemos que haja, desta vez, algumas verdadeiras mudanças que a outra velha sempre nova senhora há tanto tempo tem aguardado. Há mais de cem anos. Já Eça de Queirós se fazia anunciar distinto da ordem circunspecta de então, soltando os primeiros vagidos inspirados de indignação. Para alguns espíritos críticos, ainda educados na ordem bafienta e melancólica, a morte da velha mentalidade pareceu-lhes exagerada. Uns raros lúcidos morreram de ataques apopléticos quando compreenderam o visionarismo dos queirosianos quanto à gravosa cristalização das velhas práticas nos novos tempos. O Eça, ele próprio, chegou ao ano de 1900 e fartou-se.
 
Mas mesmo assim, convenhamos que a morte da velha senhora, a familiar Dona Esperança, é exagerada. Não há desgraça que a resseque de exaustão. A nossa história também é velha e vive sustentada pelas saudades no espírito empreendedor dos marinheiros imortalizados na cultura de um fado maior. E este é intrínseco ao nosso respirar.
 
Somos, portanto e com orgulho, descendentes duma fé coletiva digna de um Padre António Vieira, o protetor Paiaçu, inesquecível português nas longínquas terras do ancião lundum.


Rosa Duarte - 07-01-2015 09:20



    

7 de fev (sábado) às 15h00m, na STP, em Lisboa

 
 ATENÇÃO: 30 MINUTOS MAIS CEDO (ÀS 15H ).

«A SAUDADE E O CULTO DA TRISTEZA NO FADO»
 
PALESTRA E TERTÚLIA FADISTA

[Setúbal na Rede] - A notícia da morte da velha senhora é exagerada

[Setúbal na Rede] - A notícia da morte da velha senhora é exagerada

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Fado «Quando partires» de Vital d'Assunção

«Quando Partires»
 
Letra: Vital d'Assunção
 
Música: Vital d'Assunção
 
Repertório: Rosa Maria Duarte