EXORCISAR PARA APRENDER
Numa desejável atitude
multidisciplinar, ando em busca das últimas investigações científicas sobre a
natureza da memória e da consciência. Apesar do meu interesse prioritário pela
arte, reconheço que a sabedoria está na consciência das nossas limitações. São muito pertinentes as reflexões de Carl Sagan quando afirma no seu
livro Um Mundo Infestado de Demónios
(1997), por exemplo: “A ciência está longe de ser um instrumento de
conhecimento perfeito. É apenas o melhor de que dispomos.” (p.42) É a tal rota
segura que gostamos de seguir para compreender o mundo. Pois sabemos que a
ignorância sobre nós mesmos é uma ameaça à existência em si mesma e que se tem assistido
ao longo da história a sérias dificuldades de comunicação humana, preconceitos
étnicos e sociais que, em tempos de penúria económica e ética como os de hoje, faz
crescer o desespero e a crendice.
Esperemos que os fundos para o
trabalho científico não se esgotem de todo, já que há muitos jovens na
expectativa da sua bolsa…
Penso que Eric Kandel é atualmente
a autoridade científica na área da descoberta da base celular da memória. De
acordo com o seu trabalho reconhecidamente premiado, a base celular da memória
é a alteração persistente na eficiência da sinapse. Ao jeito da verdadeira ciência
comprovada em laboratório, o modelo experimental simples foi um tipo de
lesma-do-mar do género Aplysia.
Portanto, as sinapses formam os
pilares da memória. São as tais marcas sinápticas que perduram, mas também
mudam constantemente, oscilando entre as lembranças e o esquecimento. Então, onde
é que isso acontece mesmo? Na sinapse, entre as células nervosas e sensoriais, onde
há um aumento na libertação de transmissores. Cada vez que o neurónio sensorial
é ativado, leva a uma mais forte ativação muscular. O processo de aprendizagem
é mediado via fosforilação, inicialmente na sinapse, que resulta na memória a
curto prazo e, mais tarde, via alterações na ativação dos genes. Fui
bisbilhotar à página do laureado.
Contudo, também sei que tenho que
estar atenta aos jovens investigadores, igualmente portugueses, dentro e fora
do país, que estão “em mãos” com esse objeto de estudo científico, pois o meu
desejo é estar a par das últimas. Uma Marta Silva em Amesterdão, por exemplo. Jovens
bem encaminhados, felizmente ainda com algum apoio institucional… Que se pautam
por um dos mandamentos mais importantes da ciência: «Desconfia das afirmações
das sumidades», ou seja, a ciência na sua proclamada independência dos
interesses pessoais ou nacionais, que nos leva ao verdadeiro caminho da
compreensão do mundo. Sabendo, a rigor, que nem as leis da natureza são
consideradas absolutamente certas, para não falar dos buracos negros, da
matéria escura…
No quadro teórico das
investigações de António Damásio, no seu Livro
da Consciência ( e o autor explica que utiliza a expressão quadro teórico para se referir ao
trabalho desenvolvido), este afirma que os organismos criam mentes a partir dos
neurónios, concentrados sobretudo no sistema nervoso central (o cérebro),
constituídos por uma extensão fibrosa chamada axónio e pela sua extremidade, a
sinapse, a partir da qual são enviados sinais a outras células musculares, por
vezes muito distantes de si. Quando é que nos apercebemos dessas mensagens no
nosso corpo?
“A mente surge quando a atividade
de pequenos circuitos se organiza em grandes redes, capazes de criar padrões
neurais. Estes padrões representam objetos e acontecimentos situados fora do
cérebro, tanto no corpo como no mundo exterior, mas certos padrões representam
igualmente o processo de outros padrões por parte do cérebro.” (DAMÁSIO,
ANTÓNIO: p.36)
São essas imagens que a nossa
mente experimenta, a partir dos padrões que Damásio também chama de mapas,
sensoriais, viscerais, alguns concretos e outros abstratos, que são a
matéria-prima do artista ao exprimi-las e enriquecê-las com a sua sensibilidade.
Que não é apenas um produto material, mas também espiritual. “A ciência não é
apenas compatível com a espiritualidade, mas é uma fonte profunda de
espiritualidade. Quando reconhecemos o nosso lugar na imensidão de anos-luz e
na passagem dos séculos, quando aprendemos a complexidade, a beleza e a
subtileza da vida, esses sentimentos de exaltação, de júbilo e de humildade
associados são sem dúvida espirituais. O mesmo se passa com as nossas emoções
em presença da grande arte, música ou literatura, ou atos de exemplares coragem
e abnegação, como os de Mohandas Gandhi ou de Martin Luther King, Jr. A ideia
de que a ciência e a espiritualidade se excluem mutuamente presta um mau
serviço a ambas.” (SAGAN, CARL: pp.44/5)
Por isso António Damásio abre o
seu livro anteriormente citado com a merecida homenagem a Fernando Pessoa, apelidando-o de “um
dos grandes trabalhadores literários da consciência”.
Bem hajam.
Laranjeiro, 28 de novembro de 2012
Rosa Duarte