sábado, 30 de março de 2013
Boa Páscoa, queridos visitantes.
Continuação de boa passagem (=páscoa) pelos trilhos da contemplação do outro e com diária criatividade.
Com um gesto em ovo-concha de bravura e natural confiança na descoberta constante, desejo-vos o melhor suco amoroso da vida.
Sim, também vou pascoar com tranquilidade. Grata pela vossa anónima presença.
segunda-feira, 25 de março de 2013
um voo de liberdade
O CORTINADO VOADOR
O cortinado quer sair à rua. Tem as suas necessidades. As
suas reivindicações. Distende-se para lá da moldura da janela, e bota um pouco
de pano a esvoaçar. Ouvem-se os carros apressados. Os cantos em chilreio dão ânimo
fora daquele pedaço de cimento feito casa, um pedaço de lar, onde
já não dorme ninguém. E o vento a incitá-lo. Ora avança, ora retorna ao seu
parapeito, meio enfunado, meio desconfiado. Será melhor sair ou é mais seguro ficar?
Procurar melhor vida, pois então. Migrar. Ser um cortinado migrante. Sempre a
tapar e destapar as intimidades dos outros também cansa. E tantas horas de
solidão! Quem pensa em si? Sim, não parece, mas um cortinado também requer cuidados, precisa de um pouco de atenção e carinho. Uma mão caridosa que lhe
dê uma certa importância, algum amor próprio… compor-lhe as pregas, desviá-lo de vez
em quando para a vizinhança se deleitar com as suas habilidades. Não bastam as
florinhas artificiais cor de rosa para ser admirado. Vai lá, vai…Até porque com
a sua idade, pois já não é assim tão jovem, podia ter uma outra escovagem,
digamos, uma limpeza mais regular, sem pontos negros de humidade. Acha que não
é pedir muito. E não é aproveitar-se da conjuntura… Não é protesto panfletário organizado. É a realidade nua e crua desfraldada em cada janela.
E a verdade, verdadinha é que a rotina encardida e triste nunca foi para si. É
um cortinado de estrada, daqueles retalhistas de feira, que andam dum lado para
o outro, onde sempre se veem caras novas, donas de casa a sério que percorrem
quilómetros para encontrar aquele padrão que idealizaram. Com as medidas que
tantas vezes confirmaram nas parcas janelas dos seus quartos, verdadeiras
alcofas de amor medido a calendário. Sim, porque o amor não é para se
banalizar. Não deve ser hasteado a qualquer pretexto, por qualquer barrabotas pinga-amores.
Há que saber economizá-lo, como o euro ao mês. Até os gestos de
simpatia. Verdadeira politiquice. Não, não, não cai nessa. Porque os abusos de
confiança são uma burlice e geram mal-entendidos. Mesmo um cortinado da
sua condição deve saber calar-se e conter a admiração que sente pelo brio das suas
clientes. Ele, senhor cortinado, não é uma reles cortina desbragada que conversa na escada com qualquer vizinha. Nada de tecidos exagerados. Talvez uns sorrisos em arco de 20
graus de inclinação em dobra para os olhos das costuras. Nada mais. Ou quando uma
cliente está um pouco mais triste e indecisa, vá lá, uns 30, 35 graus. Há que racionar emoções. As necessárias para fins comerciais. Contudo, um cortinado que se orgulha da sua fabricação,
também tem seus recalcamentos sociais. Não se nota? Olha, quantas vezes não se
exprime pela luz que cega em nuvens de poeira cintilante e a deixa entrar pela casa fora?
Mas hoje não, hoje sente-se um cenário cinzento. Quer mudar
de vista. Quer partir. Deixaram-no maliciosamente só. Para porem e disporem, a
bel-prazer. Não é para si. É um mero cortinado? Talvez um cortinado mais
evoluído na roda da fortuna. Sem pernas… Mas que importa? Vai na mesma. À
descoberta da liberdade. Afinal, já deve ter qualquer coisa parecida com uma vontade, que não é assim tão inexperiente das
dificuldades da vida.
Não se pode contar logo com a amizade e o amor na esquina mais próxima, ele já sabe. Nem é esse o tipo de atenção que lhe interessa, mas terá com certeza ainda muito para aprender e desfraldar. Há que ter coragem, ora bolas. Dar pano. Um cortinado não serve apenas para velar e ocultar. Enfeitar. Serve também para deslumbrar. Isso! Quer deslumbrar. Ser um cortinado de palco. Porque não?! Ao serviço da arte e do olhar maravilhado do público.
Não se pode contar logo com a amizade e o amor na esquina mais próxima, ele já sabe. Nem é esse o tipo de atenção que lhe interessa, mas terá com certeza ainda muito para aprender e desfraldar. Há que ter coragem, ora bolas. Dar pano. Um cortinado não serve apenas para velar e ocultar. Enfeitar. Serve também para deslumbrar. Isso! Quer deslumbrar. Ser um cortinado de palco. Porque não?! Ao serviço da arte e do olhar maravilhado do público.
Dito e feito.
Veio então uma forte rajada de vento, daquelas que anunciam
as saraivadas. O cortinado puxou e atirou com o velho varão de pinho ao chão. Enrodilhado
sobre o balcão da janela, esgueirou as presilhas, aguardou a próxima boleia e levantou voo, desajeitadamente, pela rajada fora, sobrevoando carros, pessoas, contentores e foi estampar-se no cabo de
eletricidade mais próximo. Ainda bem que era um cortinado curto de dois terços de
altura. Meia cintura. De tecido ligeiro, digamos. Então, enfunado, deleitou-se com aquela voragem de vista sobre
o parque Eduardo VII e o Senhor Marquês. Que imponência! Tomou o norte. Dali ao Maria Matos era um pulinho. E aguardou outro fôlego,
um novo alento de inspiração e ventania e lá foi todo entrapado pelos ares, fazendo aos ziguezagues as
delícias das crianças de breve passo trôpego, apressado, a toque de caixa, mas a toparem-no a léguas. Os adultos, esses, na liderança da correria desenfreada daquelas
rotinas malfadadas, do desastrado grupo dos transeuntes a butes, nem um olhinho se dignaram deitar às caras de diversão, e cabeças inclinadas, dos seus
humanos pequerruchos.
Afinal também era só um tresloucado cortinado, qual sonhador mal
trajado, num céu cinza alfacinha, em exótica planação rumo à plataforma
artística da universal liberdade: o teatro.
Lisboa,
25 de março/13
Rosa Duarte
quarta-feira, 20 de março de 2013
também argentino
É bom “ouvir” Jorge Luís Borges a historiar sobre a
eternidade. No seu livro História da
Eternidade. Imagem feita com substância do tempo. O arquétipo que
compreende e exalta todos os outros arquétipos: a razão, a necessidade, a ordem,
a desordem...
O Universo requer a eternidade. Sabe-se que a eternidade é
uma invenção copiosa, não concebível, como também o é o humilde tempo
sucessivo. Negar a eternidade não é menos incrível do que imaginar a sua
existência.
A nossa identidade reside na nossa memória. Logo, a anulação
desta faculdade implica a idiotia. José Cardoso Pires perdeu a memória, mas ao manter
parte da consciência de si, sentia-se um idiota quando o tratavam como uma
criança. O certo é que olhava para a escova de dentes e não se lembrava para
que servia. Talvez para se pentear…
Santo Agostinho falava sobre o tempo e exemplificava: “Antes
de começar, o poema está na minha antecipação; assim que o acabei, [está] na
minha memória […]”. O valor da memória como um livro humano a estimar para perdurar.
Por isso, sentir a morte é sentir a ausência da eternidade.
Os momentos humanos não são infinitos. Então a arte embeleza a ideia da morte
pela imagem figurada, metaforizada: o sono da terra, a noite fria, a última
sesta, o velho cadeirão de baloiço… O rouxinol devorador do tempo.
Nietzsche sentiu imortal o instante em que engendrou o Eterno
regresso.
Antes de Nietzsche, a imortalidade pessoal era um simples
equívoco de esperanças, era um projeto confuso. Nietzsche propõe-na como um
dever e confere-lhe a lucidez de uma insónia.
Claro que o Eterno Retorno foi, lucidamente, apresentado como
a doutrina da repetição circular provável ou possível. Mas como a imagem de uma
mera possibilidade nos pode fazer estremecer e corrigir! Os erros e os castigos
repetidos…
Houve quem procurasse destruir o fundamento desta tese de
Nietzsche, como Georg Cantor, com a afirmação da perfeita infinidade do número
de pontos no Universo.
Porém, o Eterno Retorno é um conceito não acabado em vida pelo
próprio Nietzsche.
Com o Eterno
Retorno, Nietzsche questiona a ordem das coisas. Indica um mundo não feito
de polos opostos e inconciliáveis, mas de faces complementares de uma mesma, múltipla,
mas única, realidade. Logo, bem e mal, angústia e prazer são instâncias
complementares da realidade, instâncias que se alternam eternamente. Como a
realidade não tem objetivo, ou finalidade (pois se tivesse já a teria
alcançado), a alternância nunca finda. Ou seja, considerando-se o tempo
infinito e as combinações de forças em conflito que formam cada instante finitas,
em algum momento futuro tudo se repetirá infinitas vezes. Assim, vemos sempre
os mesmos factos retornarem indefinidamente.
Nos textos
de Nietzsche sobre a História, vemos que sua noção do Tempo não é cíclica. Há,
contudo, leis naturais que se manifestam de forma coordenada e coexistencial.
“Vou arder, mas isso não passa de um episódio.
Depois continuaremos a discutir na eternidade.” Palavras de Miguel Servet,
filósofo aragonês renascentista, dirigidas aos juízes ao ser condenado à
fogueira por heresia.
Corroios, 20 de março de 2013
Rosa Duarte
segunda-feira, 18 de março de 2013
os ciclos da natureza removem os destroços das crises humanas
Quase me sinto tentada a escrever uma “composição” sobre a
Primavera. Não que eu costume pedir, a seco, esses temas aos meus alunos. É um
bom mote para qualquer um de nós pensar, sentir e escrever. Muito batido, logo
nas primeiras letras. Mas é especial porque a Primavera continua a mesma, encantadora
e inspiradora. Com a vantagem que é suficientemente vigorosa para não se deixar
afetar pela melancolia provocada pelas crises económicas deste país, desta
Europa, diria mesmo do mundo inteiro. Porque esta crise, como as outras todas, é
de natureza ética, refletida de forma potenciadora na economia e na governação
política. Ainda não se consegue dispensar a sociedade não civil das sociedades
humanas. Mas sabemos que é a ela que cabe moralizar pelo exemplo e regulamentar
as boas práticas de cidadania de modo a estrangular a margem de corrupção e de
prevaricação. Se o problema é intrínseco à deseducação social do ser humano, há
que apostar na sua profunda educação e reabilitação. E a melhor pedagogia de
qualquer simples pedagogo é tão somente o seu próprio exemplo.
Voltando à Primavera… à beleza e à alegria que são
estruturantes para a predisposição e limpar o nervo para reavaliar a vontade de
conquistar o que falta. Respirar e apreciar a graciosidade das mais discretas
manifestações da primeira verdade (prima
vera) para compreendermos que a vida tem muito mais para além das batatas e
das batalhas diárias pela sobrevivência. E são inúmeras as suas ternas
invitações à contemplação dos pequeninos bolbos a brotarem nos ramos sadios das
árvores, as tenras folhinhas a despontar, as manchas acolchoadas coloridas, amareladas,
alaranjadas, numa seiva telúrica atapetada de verdume húmido de sais e cheiro a
minhoca.
O sol já se vai deixando estar. É deixá-lo. E pinta mais
forte, a pincelada larga, as estradas celestes sem nuvens. E estas se as há,
são uma ou outra que se passeia pelo azul como inocente carneirinho pelos
quadros vivos do eterno Magritte.
Laranjeiro, 18 de março de 2013
Rosa Duarte
quinta-feira, 14 de março de 2013
segunda-feira, 11 de março de 2013
uma ilegível memória
CUIDADO, MINHA NETA. ESCREVER É
PERIGOSA VAIDADE. DÁ MEDO AOS OUTROS…
Esta é uma das falas do avô
Adjiru Kapitamoro, que ensina Mariamar, a neta narradora, a escrever,
conduzindo-lhe a mão com a sua enorme, num desenho de letra sobre papel.
É a confissão da leoa de Mia Couto.
O coração a pular do peito. No
topo da árvore. Aspirando o perfume das goiabas maduras. Num mundo de homens e
de caçadores, onde a palavra foi a primeira arma.
O avô pedia-lhe para ser ela a contar
as histórias. Mas era para ganhar tempo e tornar-se o centro do mundo, das
atenções dos outros. Então erguia-se portentoso e a palavra vaidosa rodopiava
pelo chão e pelo ar. Mas não eram as memórias de caçador que ele perseguia;
eram as próprias presas das suas caçadas.
Tudo nasce ali, naquele momento
narrado, sem «era uma vez». E dissolvia-se no escuro porque sabia que as suas
histórias eram corpos fugindo da sua própria realidade.
Eram as pequenas loucuras que o
salvavam da grande loucura. Os outros debandavam; não se deixavam molhar pelas
suas férteis chuvas de palavras.
Os livros entregavam vozes como
se fossem sombras em pleno deserto. O olhar de Mariamar varria o chão em
ansiosa busca.
Quem mora ali, em Kulumani, é o
medo. Tudo com cor de poeira. As suas mãos são nuvens que parecem emigrantes do
seu corpo. Aqueles que maltratamos, por
mais estranhos que sejam, tornam-se nossos parentes para sempre. Os olhos
humanos roubam a alma. Quanto mais humano é o olhar, mais se é convertido em
bicho.
E a luz dissolve-se entre as
nuvens. Uma ilegível memória.
Adjiru aproveita o escuro para
exercer a sua outra atividade: a de escultor de máscaras.
O poente é a hora em que Mariamar
retorna a casa. O dormir lava-lhe memórias…
Os comedores de gente são um
assunto político.
E eu sou mais uma mulher a tentar
ler através da chuva o ventre de cacimbo, algures no alpendre deste livro.
Mais uma valiosa dádiva de Mia.
Um miar de leão! Obrigado.
Rosa Duarte
sexta-feira, 8 de março de 2013
Experiência com harmónica
a harmónica oferece melodias diáfanas ou de protesto pelas mãos mais simples e pelos beijos mais sentidos e inspirados.
a batuta do olhar: crónica publicada no Setúbal na Rede, semana 792
a batuta do olhar: crónica publicada no Setúbal na Rede, semana 792: JORNALISMO ESCOLAR A imprensa escolar não é um luxo nem trabalho em vão. É, na modesta categoria de media , o órgão noticioso de esco...
quinta-feira, 7 de março de 2013
penso, logo pinto
A arte sacra
O que leva um artista a representar figuras e situações
relacionadas com determinada religião?
A resposta é quase óbvia: é a sua fé. Então significa que a
preferência pelos temas de determinada religião vincula o autor a determinada
doutrina?
Eu não sou escritora ou pintora, nem tão pouco especialista
na história das religiões e respetiva arte sacra, mas do pouco que vou
aprendendo, e do muito que sinto, apraz-me pensar que o artista é um ser que se
distingue pelo seu inequívoco apreço à liberdade criativa, como, por exemplo, o
poeta, que interpreta a vida com o seu interior, que a vê com o seu
discernimento e a quer partilhar. O artista pode ser olhado como um ser excêntrico
por alguns, porque não o compreendem muito bem. Ou simplesmente não o
compreendem. Ou apetece não compreender.
Eu não sou artista, pelo menos não ouso considerar-me como
tal, e sinto, por vezes, certos olhares. Como cresci num ambiente familiar
numeroso, aprendi, por exemplo, a criar o meu próprio espaço entre mim e mim
mesma no meio dos outros. Eu sou capaz de ler num ambiente ruidoso, sem grande
dificuldade, porque me entrego de alma àquela tarefa. Sou leitora por vocação.
Assim como sou professora por vocação. Já declarava estas vontades na escola
primária (a nº6 da Tapada, em Alcântara), quando escrevia aquelas composições
rudimentares sentidas e comovidas pelas pequenas coisas que me encantavam no
dia a dia.
Eu leio numa sala de professores cheia de gente a conversar.
Sem sentir o mais leve constrangimento. Quase que as vozes me servem de encenação
a uma ou outra cena. Ainda hoje. Estava a ler o livro Aquário numa gaiola da Júlia Nery que esteve ontem no auditório da
nossa escola. Foi divertido. Claro que senti, mais uma vez, um ou outro olhar
de estranheza à minha volta. Que não me incomodam. Não me importo nada de
interromper a leitura e conversar, quando metem conversa comigo. E naturalmente
retomo a leitura. E lá me surgem de novo as vozes reais a fazerem parte da
conversa do Gonçalo e da Inês do livro que discutem o novo look da Inês, que tanto a sacrificou por um amor mal correspondido…
uma história adequada à realidade dos nossos alunos.
Excentricidade ou simplesmente sensibilidade distinta não é
sinónimo de loucura. Bem, refiro-me àquela que tira a razão e o tino. Porque de
génios e de loucos, todos temos um pouco, não é assim?!
O medo é o grande inimigo do homem. Mais do que qualquer desconhecimento
ou ignorância. E o medo tem privado o homem das suas melhores virtudes.
Nomeadamente da sua entrega à arte. Os artistas são uns loucos... Gostam-se de
ouvir, de se exibir, de friccionar o ego, de sorrir a desconhecidos. Gostam de
apreciar o brilho a cada tola alegria.
Valeram-nos os nossos marinheiros aventurosos que partiram à
conquista do desconhecido. Hoje, até os mais instruídos olham suspeitosos para
a sua sombra. Quem é este que está aqui ao meu lado a ler? Uma peça de teatro?
O que é que isto quer dizer? Qual é a mensagem subliminar? (tem que haver)
A fraternidade assusta. Mais do que em qualquer outro tempo.
Parece-me. Porque é que havemos de nos compreender? O que é que se ganha com
isso?
Ninguém é melhor do que ninguém. Apenas somos únicos. Todos
diferentes, todos iguais. E estamos sempre a mudar. E aprender uns com os
outros. É o dom do ser humano. Uns gostam mais de aprender com livros, outros
com viagens, outros simplesmente a conversar ou a ver tv… e todos, no fundo,
gostamos de tudo isso. Só que a vida facilita mais umas coisas a uns, e mais
outras a outros… Não considero que a arte e o saber sejam atividades
egocêntricas, mesmo que para isso seja necessário o recolhimento, mesmo que só
seja possível no meio da multidão. Não há solidão quando podemos desfrutar de um ato
criativo, nosso ou de outrem. E eu gosto de tudo, como costumo dizer. Tirei um
curso de Letras porque foi aquele que se impôs no meu percurso escolar. Mas
gosto de pintura. Gosto de música. Gosto de arquitetura. Gosto de filosofia.
Gosto de teatro. Gosto de investigação. Gosto de ciência. Astronomia.
Etnografia. Estudo das religiões…
Embora eu tenha as minhas convicções religiosas, que não se
confinam a uma doutrina dogmática, sinto que muito ainda temos que aprender com
o mundo que não é comprovado pelos olhos do nosso rosto. Com a doutrina do
coração. E todos os temas que religam o homem à sua origem e à sua essência
mais intrínseca interessam ao humano que responde ao apelo do ato criativo. Eu
tento estar alerta. Mesmo sem grande visão periférica…
Não tenham medo dos artistas. São boa gente. Cada um à sua
maneira. Mesmo que sentados a ler numa sala cheia de gente. Não é petulância
nem soberba. Tão pouco um ego exacerbado. Simplesmente um encontro diferente
num momento menos visto. Simplesmente a partilhar algumas folhas de papel. Ou
de melodia. Ou de breves palavras de reencontro com cada um dos mundos dos
outros. As galáxias humanas em expansão dadivosa. Não nos queiramos evadir.
Somos vizinhos e coabitamos o mesmo território: o encantamento.
Eis a minha partilha de hoje.
Corroios, 7 de março de 2013
Rosa Duarte (texto e desenhos)
quarta-feira, 6 de março de 2013
crónica publicada no Setúbal na Rede, semana 792
JORNALISMO ESCOLAR
A imprensa escolar não é um luxo nem
trabalho em vão. É, na modesta categoria de media,
o órgão noticioso de escola com uma linguagem jornalística potencialmente diversificada.
Atualmente num suporte preferencialmente online.
Não será suficiente a página da
escola?
Eu julgo que não, porque uma folha
informativa ou mesmo um jornal obedece a um formato adequado, com determinada
periodicidade regular, secções informativas e opinativas, repórteres/alunos em
campo, um público-alvo… enfim, participações distintas e integradoras. Tudo tem
os seus próprios objetivos, o seu saber e o seu labor. Não é por acaso que
existem ações de formação, workshops,
cursos próprios. Podemos sempre questionar a qualidade da conceção de cada
curso, o elitismo académico, alargar o constrangimento ao ensino português em
geral, ao proselitismo, às metodologias, às escolas ou correntes… Sabendo contudo
que é pela prática que se faz o artista. Neste caso, o jornalista. Que no
início depende da orientação de um mestre. Pelo menos… Quem conhece as andanças
laborais sabe bem que entre aquilo que aprendemos na escola e o que nos é exigido
no mundo do trabalho vai a sua distância…sem querer ser muito eufemística.
Quando eu concluí o meu curso, ignorava
como se planificavam aulas, se preparava o trabalho ao longo dos períodos
letivos, se adequavam as metodologias aos níveis de ensino, se faziam testes de
avaliação, se organizavam visitas de estudo, se devia ser diretor de turma… e
muitas outras tarefas. Basta dizer que na primeira aula cheguei atrasada porque
andei a “passear” pelos diferentes blocos à procura da sala que deveria
conhecer. E quando a encontrei, já não tinha alunos. Nas apresentações, a
rapaziada não contava muito com todos os professores… Numa escola do Barreiro onde
éramos quase todos provisórios e ainda estávamos puros para o fácil companheirismo
e as sérias amizades, unidos nas adversidades.
Diz-se que a primeira é a mais
marcante. Sobretudo aquela que está próxima das nossas aspirações e da formação
académica eleita. Reconhecemos testemunhos que atestam o fosso existente entre
a escola e o mundo do trabalho. Num curso superior de Telecomunicações, por
exemplo. E cito este porque tem ainda alguma empregabilidade em Portugal. Mas
cada posto requer uma aprendizagem que, a cada passo, questiona a teoria
aprendida. Não que esteja incorreta ou desatualizada, mas por estar suficientemente
desajustada das solicitações atuais das empresas. Quem diz este, diz outros
cursos... Mesmo os cursos profissionais de nível II e III do ensino básico e
secundário. Já para não falar da dificuldade em arranjar os estágios
minimamente adequados, em função dos interesses e competências dos alunos. Estágios
esses que muitos já não são obrigatórios para concluir os estudos. O que é bom,
porque facilita, mas é mau, porque facilita…
Um comentador televisivo há dias concluía o
seu raciocínio afirmando que atualmente o desemprego é maior do que aquele que
havia antes do 25 de abril, mas que a fome não é tanta porque senão as pessoas
tinham mesmo que arranjar qualquer emprego, mesmo emigrando em massa, como
faziam dantes. Mas tudo indica que não falta muito, pelos vistos (2,6 milhões
de portugueses em risco de pobreza ou de exclusão social, não é?!). Se de facto
existiu um novo riquismo em Portugal com a abertura dos mercados europeus,
agora está a ser drasticamente deposto por um empobrecimento económico e ético demolidor.
Qual é então o papel social da escola?
As escolas têm trabalhado para estar
cada vez mais atentas à educação e aos problemas dos alunos. E neste seu
trabalho concertado, tentam desenvolver os seus pontos fortes. Mesmo os mais individuais.
Que deverão contribuir sempre para o espírito de equipa, cooperação e inclusão.
E o jornal escolar é um dos projetos possíveis de interação educativa e
comunitária estruturante. Se for um sério barómetro cultural e escolar. Não os trapos das gazetas da sociedade de
Eça, onde “Os políticos de hoje eram bonecos de engonços, que faziam gestos e
tomavam atitudes, porque dois ou três financeiros por trás lhes puxavam pelos
cordéis…" in Os Maias, capítulo XVIII.
http://www.setubalnarede.pt/content/index.php?action=articlesDetailFo&rec=19126
http://www.setubalnarede.pt/content/index.php?action=articlesDetailFo&rec=19126
Rosa Duarte
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