A noite chega sempre onde mora. Ei-la bem nascida irmã do silêncio
lento nos campos, nas ruas, nas casas, nas árvores, nos sentimentos.
Coração santo desejo descanso à mercê da claridade que o desperta.
A noite chega sempre onde mora. Ei-la bem nascida irmã do silêncio
lento nos campos, nas ruas, nas casas, nas árvores, nos sentimentos.
Coração santo desejo descanso à mercê da claridade que o desperta.
Se o nosso planeta vive em constantes remodelações decorativas urbanas, porque não proporcionar em conjunto uma sustentabilidade natural e saudável urgente, evitando doenças e delírios?
- Até podes ter defeitos giros, sobreiro velho, mas achas possível seres eleito árvore de Natal? Sabes ao menos assobiar?
- Eu? Não.
- Eu como teu compadre ainda mais velho, eleito a sobreiro-assobiador, digo-te já que o pódio não é para todos!
- Só é para ti? Não me encortices, senão dou-te na bolota!
Traços de seiva se levantam nesse horizonte aureolado de luz
desenhos de aromas a som solto folhas a conversar sem pudor
beijos de terra húmida e sanguínea escondem raízes valentes
caminhos são vida calcados a pensamentos palavras e poesia.
- Vamos lá ver, camarada: será que és nuvem de outono ou, pelo contrário, és nuvem de inverno?
- Não me interpretes mal. Eu sei que sou uma nuvem negra. Peço desculpa por às vezes me entusiasmar a chover e a trovejar, mas rego sem qualquer conotação ou filiação. Digamos que sou independente e universal. E de tal modo é isto verdade que chovo em qualquer parte, até nos quintais mais pobres, sem intenção de favorecer ou esperar um lugar ao sol.
Caminhar ao sabor da maresia e da brisa descalça à beira-mar é ser uma gaivota em bando a cheirar o tempo para ganhar forças e voar.
- Queres vir passar o Natal connosco?
- Vamos ver como estaremos nessa altura...
- Esperemos que melhor... com luz...talvez já a meio do túnel...
- Vamos acreditar...nesta viagem constante de compreender o fenómeno da vida e da vivência humana, que implica naturalmente a consciência de quem somos e da nossa força face aos desafios.
- E quem é que somos?
- Somos quem vemos em cada um de nós, o que compreendemos, o que não compreendemos, o que ainda não conseguimos ver porque não está acessível aos olhos mais distraídos. E mesmo o que podemos ver, nem sempre vemos (bem), por falta da atenção.
- Será por isso que nós não gostamos muito de nos ver ao espelho?
- Porque o espelho são os olhos dos outros? Há quem se veja mais como quem gostaria de ser...mas os outros são os outros. Cada um tem que saber conhecer-se.
- Achas que nos desleixamos com o essencial dentro de nós? Tipo boas ações e mais não sei quê....
- Há um natal em cada minuto de vida de cada ser humano que é o caminho do discernimento em busca do equilíbrio e das suas prioridades intrínsecas, que dependem naturalmente da capacidade de nos fazermos entender a nós próprios e perante o mundo que nos rodeia.
- Não é nada fácil! Ter uma batuta, é uma coisa, mas o ouvido só ouve o que o nosso coração deixar.
- Quando há universo, há som, logo há melodia à espera para ajudar cada um e o seu todo neste projeto de encontro e reencontro.
Cheiro a terra Cheiro o céu Cheiro todos nomes inscritos no vale
Juramos na infância Códigos de amizade Corações são para sempre?
Veias a olhar-nos Minas de generais Sementes tão rentes Rugas de beleza.
- Robin, onde estás? Anda ver o sol nascer...
- Miau, miau. Estou a cheirar a noite aqui na nossa despensa etnográfica, e a apreciá-la, claro...
- Então diz-me: Gostas mais de museus ou de mar, Robin?
- Eu? Eu gosto mais de paté. E de miar em vez de falar, pá!
Anda, vamos traçar vivos caminhos para toda a gente conhecer.
Anda, vamos descobrir verdes alimentos para ninguém adoecer.
Anda, vamos dar humanos afetos para todos poderem oferecer.
Se o caminho da espiritualidade é intrinsecamente individual, o amor verdadeiro, mesmo que humano, e por isso imperfeito, tem sempre como valor maior a união.
- Olá boneca. Estás perdida?
- Olá caranguejo. Estou apenas a meditar...
- A sério? Se estiveres perdida, diz. Olha que eu não sou daqueles que passam a vida a olhar para trás.
- Não te preocupes, caranguejo. Eu, às vezes, quando não estou a meditar, estou a rebobinar os meus pequeninos pensamentos.
- A sério?
- Sabes, caranguejo, eu sei que sou uma menina de plástico. Nem devia de pensar. Mas alguém me perdeu ou se esqueceu de mim.
Entre os mais pequeninos grãos de areia, há sempre um potencial de existência a reclamar espaço, traço e companhia.
- Ó Fernando, vieste em má hora. Vou sair. Vou ter com a minha Lídia.
- Ó Ricardo, o teu fado é seres meu heterónimo.
- Teu quê? Ok. O que tu quiseres. Tenho que sair.
- Estás em confinamento. Houve uma pandemia. Já não estás no séc. 20.
- Então em que ano estamos? Não me digas que estamos no 20+20.
- Porquê? Bem... não pode haver ajuntamentos e somos mais de cinco...
- 😲?
Deixa o vento levar as desenhadas palavras no mar alto sem fim
Recolhe as redes solta alguns peixes sê liberdade crescente assim
Toca o calor do acaso longe do trator sonhador que te prende aqui.
Às vezes, somos famílias de folhas recortadas todo-o-terreno a descansar na relva.
Outras, cogumelos anónimos às vezes comestíveis à espera de alguém que nos leve para casa.
- Ó mano, hoje foste ver o mar?
- Yap! Prá quela cena da vitamina D e ficar forte se o Covid se meter comigo.
- Ó pá! Sei não... Topaste alguém?
- Umas alforrecas. Népia de aerossóis.
- E surfistas no mar?
- Estava um ganda sol a surfar...
- Não me deixes envelhecer, Tempo.
- Vamos lá a ver: tu não és o Outono?
- Sim, Tempo, mas ainda falta o Inverno.
- Pois! Mas tu não morres. O mundo à tua volta é que vai enfraquecendo...
- Mas eu sou algum vírus?
- Não. Tu és o meu lado melancólico-romântico. Eu atribuo-te este mundo na tua fase ativa.
- A minha fase ativa de molhar tudo e amarelecer o planeta?
- Sim. Não és tu que morres. És cíclico. Como a natureza.
- E as pessoas também?
- Os corpos das pessoas morrem, mas as suas sementes continuam nas novas gerações.
- Como na natureza?
- Eles são a natureza humana. Agora vai trabalhar que os vírus andam a atacar.
- O que é que um pobre outono como eu pode fazer perante tal novo corona vírus? É microscópico, eu sei, mas por isso mesmo, é um inimigo ainda mais terrível!
- Só eu, o Tempo, consigo dar cabo desse malandro. Mas preciso da ajuda de todos.