Esta frase não é minha. É de Ricardo Reis, o erudito heterónimo de Fernando Pessoa que é protagonista de uma obra de José Saramago, quando este resolve contar como foi o ano da sua morte.
Livros como este são os conhecidos amigos das bibliotecas, das livrarias, das salas de cultura geral…
Também das escolas. E o novo ano letivo está aí, com novos manuais e sempre desafiadores planos de leitura. Ao trabalho que terminaram as férias!
Mas as leituras não gostam de férias. Porque é nas férias que as leituras mais se divertem sob o olhar dos seus amantes. As palavras gostam de ser lidas, mesmo ou sobretudo as mais tímidas, escondidas no meio dos lençóis brancos de papel cheios de conterrâneas faladoras… Nem anseiam por pausas; só se for para um café rápido ou uma degustação concomitante de um kit kat. Porque, impacientes, entusiasmam-se e ficam mortinhas por saber o que se vai passar no próximo capítulo.
Os livros são vaidosos. Como se gostam de passear nas mãos seguras, pequenas e grandes, dos seus senhores, orgulhosos desta intimidade: a leitura!
É que um livro que se preza é sempre cioso da sua capa. Gosta de se mostrar. Gosta de estar no escaparate e divertir-se com a expressão do olhar dos seus visitantes. Às vezes, enfadado com o tempo morto da espera, até fantasia as circunstâncias do ato da sua primeira leitura. Mas, as mais das vezes, contenta-se com o ser folheado por dedos curiosos.
O mundo dos livros é um mundo interessante. Quanto maior é o enfado, constou-me que dizem entre eles, maior é o seu divertimento porque se põem ao desafio, a vislumbrar os potenciais leitores que os entreolham à distância por sobre os óculos, e aí veem-nos aproximar a medo por causa da etiqueta do preço e também pelo seu famoso pendor encantatório. Ou quando não, há os afoitos que chegam a acariciar as letras enceradas e pintadas demoradamente, a inalar com um leve sorriso o cheiro a tinteiro de gráfica, mas muitas vezes baixam a cabeça e saem sorrateiramente…prometendo a si mesmos voltar.
Cada livro é um ser único. Mesmo os da mesma tiragem, cada qual apresenta alguma característica única, ainda que impercetível. Mas tornam-se definitivamente únicos quando alguém os adota e lhes oferece uma série de sinais, marcas, adereços, roupagem que os identifica como seu: – Este é meu. – Agora já com o cheiro do seu dono pouco a pouco a entranhar-se…
Chamo-lhe características; não defeitos. Quem é que gosta de ter defeitos? Nem um livro barato! O seu autor, que é um pai zeloso, procura habitualmente acompanhar a sua gestação. Quer o melhor para o seu filho. Olha com particular interesse o livro dos outros, em especial nessa altura. Não quer que o seu fique atrás. Alguns pais até pagam mais para verem o seu filho no lugar de destaque da montra ou no expositor.
Se tem mais ou menos páginas, pode ser uma preocupação, às vezes ganhando laivos de cobiça. Os autores sabem que a vista do leitor é devoradora. Mas felizmente há leitores para todos os gostos. Há leitores que gostam mais dos livros magros. Outros olham com maior deferência os livros bem alimentados. Os livros obesos podem ser muito bons filhos, mas podem ter menos êxito social…até pelo preço. Mas que são uma razão de peso, ninguém tem dúvida!
Os autores, perante estas preferências de um público tão variado, gostam de mostrar os seus filhos bem nutridos e de espírito perspicaz e desenvolvido…porque assim são mais apreciados e amados. Se forem divertidos, tanto melhor. Até porque há uma parte da população que só se passeia na livraria ou na biblioteca quando não tem programas mais aliciantes. Entram com um ar quase entristecido ou de obrigação. Metem dó.
Aí os livros dão ainda mais de si para despertar a atenção. Alguns até simulam uma pequena aragem só para levantarem uma pontinha de folha do véu da história, a fazerem-se aos (pseudo)leitores. E quando lhes arrancam um semi-sorriso, é uma festa de palavras e frases sem parar. Sentem-se protagonistas da sua própria aventura. O livro comprado é felicitado, pois conseguiu cativar alguém (- Está por aí o Principezinho?).
A palavra é uma grande filha de Deus.
E as palavras nos livros que se escolhem são fronteiras com belas pontes que se querem visitadas e atravessadas.
No entanto, em todo o lado há, também, sempre uns livros que erguem muros, que se querem residentes no seu próprio canto e que ficam a enxotar os leitores. Se não fossem os mais teimosos…
Os livros de leitura integral das escolas, não. Ficam, durante o ano letivo, a aguardar pacientemente os seus jovens leitores. São livros que de tão interessantes que são, são olhados com distância (quando não desconfiança) pelos estudantes que, num dia de mais generosidade, resolvem cumprimentá-los e acabam por se divertir à grande…
Como aquele momento que vivi na história quando li: “O que é preciso estar triste para me divertir assim”
A Leitura
Rosa Maria Duarte
Acrílicos, carvão e pastéis
(já oferecido)