quarta-feira, 13 de novembro de 2013

crónica de opinião publicada no «Setúbal na Rede»


«A EDUCAÇÃO JÁ NÃO É A MINHA PAIXÃO»

Hoje em dia, as declarações de amor são cada vez mais raras. Chegam despudoradamente a converter-se em declarações de desamor… É que a educação não é um investimento imediato. E preciso é arrecadar dinheiro já e agora…

«A austeridade é agora a minha paixão» tresle-se em cada declaração política na conjuntura atual portuguesa.

Fazem-se declarações de dívidas, sem amor pelo próximo, porque as palavras amorosas, ainda que retóricas, assustam. Há o medo do fracasso internacional, mas não há o medo da deslealdade e do abuso, até da parte daqueles em quem se queria confiar e respeitar. Já se noticia que a austeridade tem as suas vantagens: mantém as famílias mais unidas, mais em casa, dividindo o pão, o que resulta em menos divórcios…

Fatidicamente, as belas cartas de amor deixam de ser lidas e consideradas ridículas: definham de vez no esquecimento e no desprezo. A distração com as contas bancárias virou costas à paixão pelo bem comum e aos sonhos partilhados.

A atitude agrava-se quando se trata da suposta proteção à Educação nacional, materializada por sucessivas declarações de desamor. Gestos e palavras que têm fragilizado o valor da confiança no futuro da aprendizagem escolar, cada vez mais preterido a favor dos valores da bolsa e do lucro.

O espectro da velha paixão pelo dinheiro a assombrar a mais antiga preocupação civil que é a Educação. Consagrada como gratuita e universal. Ou será que essa preocupação nunca chegou a ser paixão real e correspondida?

Não há seres humanos perfeitos. Em alguns títulos de filmes ou livros, e pouco mais. É verdade que não há professores perfeitos, nem alunos perfeitos. Muito menos ministros perfeitos ou sistemas perfeitos.

Mas as Causas podem devolver o norte e a confiança (quando não são pretextos extremistas ou manobras populistas) e contribuir para o clima social desejável a todos. Quem não sabe que a educação é o berço cultural e a ferramenta genuína para a identidade nacional? Mas infelizmente há sempre quem pense que a sua qualidade de vida é um condomínio fechado, a salvo dos todos os assaltos monetários, civilizacionais, emocionais…

Agora nem as escolas mais seguras e organizadas conseguem assegurar a estabilidade da comunidade educativa do ensino público português se anualmente veem reduzidos os seus direitos e as suas condições de trabalho.

A frase “a Educação é a minha paixão” deixou de ser ridícula: desgastou-se pelo uso abusivo e, sobretudo, pelas insuficientes dádivas efetivas na consumação dessa promessa sentimental adiada.

Os conturbados tempos atuais, que exigem uma maior convicção nos valores educativos, já não conseguem vislumbrar os ténues sinais da velha sensibilidade saudosista que se dizia protetora do ensino público, retoricamente fundamentada na democracia e na alma afoita do coração luso. O fado da árdua conquista.

É pena que as ridículas declarações de amor de antigamente se pareçam hoje com as secas declarações dos divórcios, sem comum acordo, por traição consumada com os contratos do novo regime jurídico sem restrições para o ensino privado com o Estado, mortalmente dilacerada pelos cortes sucessivos nos salários dos funcionários públicos, nos subsídios de alimentação e pelo exponencial desemprego, quer dos professores, quer dos alunos que se veem desprotegidos e votados à frustração da precariedade e da emigração.

Não é preciso ser-se filósofo para se pensar que a sociedade deve ter um sistema educativo justo e responsável. E são urgentes as intenções pragmáticas que compreendam e respondam às necessidades de todos os jovens e das suas escolas, com vista a uma ação social saudável e pedagógica de sucesso.

As extemporâneas declarações de amor ridículas, ainda que moribundas, parecem atingir níveis de ridicularidade ao ponto de haver quem mande condicionar o trânsito rodoviário e aéreo no período da realização das provas de acesso ao ensino superior, como aconteceu há dias na Coreia do Sul. Até a bolsa abriu mais tarde. Decididamente, não reivindicamos tanto….
 
                                                                             Laranjeiro, 13 de novembro de 2013

                                                                                                     Rosa Maria Duarte

 

 

 

[Setúbal na Rede] - A educação já não é a minha paixão

[Setúbal na Rede] - A educação já não é a minha paixão

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

2ª versão «À beira do tempo»


À BEIRA DO TEMPO

 

FADO: Pedro Rodrigues

LETRA: Rosa Maria  

 

À beira do rio da vida

Jovem marujo com tempo

Ei-lo fitando o tormento. 

Altas vagas, sofrimento,

Pálido som, despedida,

Carrega no sentimento.

 

Porque ateimas, meu amigo,

Não arrisques o teu sonho

A tempestade contigo. 

A família é o nosso abrigo

O trabalho o nosso ganho

O amor forte postigo.

 

Ergue-se o mar das redes

O vento engravida o tempo

E chovem tragos de sedes.

Indif’rente ao sofrimento

Beija de sal suas vestes

navega p’ró firmamento.

 

Olhos se acendem no agoiro

Corpos resistem n’agrura

Remos são cruzes de açoite.

 

Rez’á sprança, moça afoita,

Grit’ó nome da doçura

E cant’ó fado que cura.


                                    São Martinho, 11 de novembro de 2013
                                                       Rosa Maria