VOLTAR ATRÁS PARA QUÊ?
O espaço e o tempo não
só afetam, como são afetados por tudo o que acontece. Diz-nos Stephen Hawking na sua Breve História do Tempo (Gradiva: 2011).
E fala-nos de imensas coisas na imensidão do tema. Da teoria da relatividade
sem qualquer tempo absoluto. Da ideia que já lá vai, destituída em 1915, de que
o espaço e o tempo eram um palco onde os acontecimentos ocorriam, mas que não
era afetado por eles. Que a curvatura espaço-tempo é afetada quando um corpo se
move ou uma força atua. E também a estrutura do espaço-tempo que afeta o
movimento dos corpos e o efeito das forças. Em suma, cada indivíduo tem a sua
medida pessoal de tempo, que depende do local onde está e da maneira como está
a mover-se.
Perante esta (nova) realidade, repensada hoje dentro de mim,
sinto a medida de tempo mover-se por pensamentos ritualísticos recentes, ainda convencionados.
Que continuo a querer humanizar na minha mente. Uns mais coletivos do que
outros. O reencontro e a conversa familiar. A prendinha, quão modesta, para
simbolizar a dádiva. Beijos, abraços e lacinhos. Um tempo cultural afetado por um
espaço social. O individual e o tribal afetado pelo social. O depósito de sentimentos
em escolhas que tocamos e representam a alegria da dádiva. Um tempo natalício
no espaço da oferta. A inevitabilidade de cada prova única e o ritualismo que
há em cada um. A festa do tradicional que deve atender a momentos afiançados de
um prazer diverso de cores e de luzes, cheiros e paladares, radiações e
espetáculos de intenções, os embrulhos, as formas, os brilhos, os formatos, as
surpresas, as emoções, a valorização e o reconhecimento do outro. Sem olhos melindrosos
em cada nuca. Que cofia e confia no olhar recolhido e no pé do próximo mais
matreiro.
Afinal a conjuntura exige contenção. De palavras. De
atitudes. De gratidão e de explicação. E a contenção desperta um novo tipo de
preocupação pelo outro. Felizmente. De exigente moderação. Verdades mais
económicas. Disfarçadas de razão. Carradas de valimentos. Uma irrupção subatómica
de compaixão por aqueles que vivem do comércio das prendinhas que tanto
gostamos de oferecer. Oferecer mais do que comprar, pelo que de energia e
paciência o ato da compra muitas vezes reclama. Nem que seja em segunda mão. Ou
num esconso olhar. Sem pejo nem preconceito. Ou em sentimentos ocultos. O
indivíduo do terceiro milénio a esforçar-se por abarcar as vicissitudes do novo
espaço-tempo. Um novo olhar sobre a imaginação ou sobre a falta dela. Reciclar
os hábitos do passado. Uma imaginação que ora nos socorre, ora nos
desequilibra. Diz-nos Irene Lisboa. Voltar
atrás para quê? Os alfarrabistas nunca desatualizados. Alguns, verdadeiros
museus do livro e de instrução universal. Catalogados pela sua natural
familiaridade intemporal ou sustentados na liberdade espacial enigmática.
Epicamente sobreviventes a muitas convulsões psicóticas politicosociais e
económicas. Nesta Lisboa, a lusa capital. E não só…Para não falar das feiras do
livro, umas mais emergentes que outras. Que tanto se ajeitam nas quadras presenteiras.
Hinos ao enamoramento livresco. Sem censuras. Conspirativos à leitura.
A alegria absurda por
excelência é a criação. Clarice Lispector, em epígrafe n’ Um
Sopro de Vida, recordando-nos Nietzsche. Quem não sentiu num livro um
frémito de vida criativa, esta alegria absurda por excelência que quase toca a
fina melancolia, poetizada por Jorge Barbosa?
E junto à Bertrand da rua que celebra Garrett, numa das várias
bancas de livros que decoram os passeios do beco, estuquei a polifonia do tempo
para cumprimentar Voltar atrás para quê?
de Lisboa escritora. A alma da autora adolescente despida. Mas que somos nós mais do que uma contradição permanente? (p.114)
Enfim, a grandeza infinita do momento. O tal segundo do
não-tempo sagrado em que a morte se transfigura. Lispector.
Lisboa, 28 de dezembro de 2012
Rosa Duarte