quinta-feira, 27 de junho de 2013

crónica de opinião publicada no Setúbal na Rede


EM RISCO DE PERDER TODA UMA GERAÇÃO

Em risco de perder toda uma geração por causa do desemprego. Palavras recentemente proferidas por Baraka Obama.

O que é que se passa com esta política mundial que não consegue dar lugar aos recém formados,  jovens competentes, que aguardam o seu primeiro emprego?

Sabemos que a educação está muito para além da instrução. Não basta dominar todos os conteúdos programáticos das disciplinas do currículo e fazer boa figura nos exames. Embora saibamos que a sociedade e o mercado de trabalho se rejam pelos rankings e pelos diplomas. Por isso é que a greve às avaliações e aos exames faz estremecer mesmo alguns daqueles que habitualmente apoiam a luta pelos direitos inadiáveis. Porque se vive um tempo economicista em que se sobrevaloriza o papel examinador da escola em detrimento da sua vital missão formadora e pedagógica.

As pessoas não podem ser olhadas como peças de um tabuleiro de Monopólio. É preciso fazer dinheiro, fazer crescer a economia, mas as jogadas têm de implicar estratégias concertadas que rentabilizem todos os contributos possíveis de forma inteligente e projetada no futuro.

Como é que se fortalece um país com despedimentos, desemprego jovem escandaloso, redução de salários, aumento da idade da reforma, redução do poder de compra, aumento de impostos, incumprimentos fiscais e discursos demagógicos?

A instrução não garante o bom caráter. Mas uma boa educação, sim. Que começa na família, se expande na escola e se consolida na vivência social e laboral.

O rigor e a exigência, aliados ao espírito de cooperação e de inovação, fazem de um aluno um potencial trabalhador qualificado. Os jovens têm estes atributos exponenciados pela educação e estão ansiosos por rentabilizá-los. Qual é a sociedade em desenvolvimento que pode dispensá-los, desprezando-os?

A experiência é uma mais-valia. Mas tem que obedecer às leis naturais da cronologia. Um jovem só pode alegar experiência depois de ter sido admitido num primeiro emprego. Faz sentido entidades empregadoras exigirem experiência de trabalho na área de formação académica aos que se acabam de formar?

Porque é que as universidades ainda não conseguiram a autonomia desejada, já antes reclamada, para poderem avançar com a celebração de protocolos com as empresas?

Há toda uma geração à espera da sua oportunidade. Frustrada e reclamando por direito o seu posto de trabalho. Porque é uma geração saudavelmente dinâmica e combativa. É pena que num país endividado, como o nosso, tenhamos que recorrer ao boicote do bom funcionamento dos serviços. Pelos que trabalham, pelos que vão deixar de trabalhar e pelos que querem trabalhar. E há pessoas que estão a fazer greve pela primeira vez na sua vida laboral.

Eu nunca estudei economia, finanças ou ciências políticas. Mas dada a conjuntura, até eu, pobre mestre em línguas e literaturas, dou por mim a fazer sugestões de governabilidade. Consciente, salvaguardo, de que governar não é ter conhecimento parcial de uma ou de outra pasta governamental. O país pode estar a ser visto como o tal tabuleiro de Monopólio, mas só se sustenta pela ação corresponsável alargada e dinâmica de todas as instituições, agentes implicados e estratégicas eticamente reguladas pelo bem comum. Ser ministro requer experiência. Por isso é que muitos são sempre os mesmos. Salvo algumas exceções… Ser bom ministro requer, sobretudo, amor ao estado de saúde da sua nação e do seu povo.

Este país não pode ser só para os velhos. E mal. É uma nação antiga, mas que não se quer envelhecida porque sabe ser humilde na sua herança, valorizar a família e a aprendizagem, o civismo, a solidariedade, as tradições populares e agir com empreendedorismo.

Não podemos deixar que se perca toda uma geração. Toda uma época de luta e de lutadores. Todo um momento de provas difíceis, mas de clara consciência coletiva.
                                                               Corroios, 27 de junho de 2013
                                                                       Rosa Duarte
http://www.setubalnarede.pt/content/index.php?action=articlesDetailFo&rec=19830
 

 

 

                                                                                                    

 

sexta-feira, 21 de junho de 2013

cidades desertificadas pela escassez de palavras com vida


O futuro das cidades depende da boa rede de comunicações, dos seus recursos naturais e industriais e da valorização cultural que se preconiza.

O valor da criatividade literária é um pilar basilar da alma de um povo e é transversal a todos os meios urbanos, mais ou menos desenvolvidos ao longo do nosso país. Somos um país de poetas, de escritores e de fadistas. A escrita e a música revitalizam os locais e as comunidades.

O futuro das palavras com sentido depende também da expansão qualitativa desta era da comunicação que assegura as atuais civilizações.

Questões: Até que ponto o texto literário ajudará (ou continuará a ajudar) a qualidade do serviço dos media? Como educar a palavra e protegê-la da corrupção? Como poupar a palavra às negociatas da mente?

 Há palavras sem retorno. Atos ilocutórios irrepetíveis. A derrocada do projeto humano evitada pela palavra sábia. A palavra nascida no pensamento saudável.

Serão boas as palavras forasteiras? Será possível a sobrevivência das cidades humanas sem livros e sem autores? Serão as cidades, um dia, novas babéis do futuro? As cidades sem diálogo inventivo sobreviverão?

Pensar a literatura como sustentação da narração credível dos factos presentes e futuros. Até o poeta da morte revitaliza a existência. O único testemunho vivido da experiência possível com a morte é o do homem que ama a palavra com vida.

Numa cidade sem palavras não há sentidos. Só a habitada por homens de palavra. Antes da água encher as barragens, já elas terão de estar cheias de palavras construtivas. A terra antes de ser lavrada, já deve estar adubada de palavras. Em viagem permanente. Mesmo não saindo de quem somos e de onde queremos estar.

Escolher uma cidade pode ser uma decisão consciente. E a escolha implica despojamento de outras vontades diferentes. A história é uma escolha. A palavra certa é uma escolha.

O êxtase da criação de uma cidade ou a sua requalificação depende da sua ecologia e da ecologia mental e verbal dos seus habitantes falantes. Mesmo no silêncio.
                                                                              Lisboa, 21 de junho de 2013
                                                                                      
Rosa Duarte

terça-feira, 18 de junho de 2013

um poema fadista


A nuvem da nossa Lisboa

                                   Ao meu pai, marinheiro fadista

A nuvem das horas langorosas navegantes

Viaja leitosa e de fofas barrigas

Desenhando toldos elevados de frescura divina

Na impetuosa pele dos rostos ao leme
 

Enche de histórias maravilhosas o céu pintado

E afina de sonhos os ouvidos peregrinos

Apessoados seres no porte das velhas traineiras
 

A saudade dolorida no horizonte distante

Lava de grossas lágrimas a adiada alegria

Acalma o rosto macerado dos pescadores

Refresca os ladinos e lânguidos fadistas

Clamando em uivos o marulhar regresso

À bela cidade tão sempre menina
 

Varina deitada nas colinas benzidas

Amante cheirosa da maresia do Tejo.





                                         Lisboa, 18 de junho de 2013

                                                  Rosa Duarte
 

 

sexta-feira, 14 de junho de 2013

cheira bem, cheira a fado e guitarradas

   Queridos leitores,

   Espero que o vosso Santo António tenha sido bom.

   Ontem estive em Alfama a cantar o fado. Hoje vou para a Graça para a Voz do Operário. Às 21h30m.

   Se tiverem curiosidade em me ouvir cantar, digam que eu vou dando outras pistas...

   Bom fim de semana, meus queridos.

   Sempre em luta pelos nossos direitos. E por um país de jovens com emprego e a revitalizar esta nação, de grandes feitos e de grandes poetas. E pela recuperação e fortalecimento de todas as sociedades do mundo.

   Grande abraço.

 

                                                                                         Almada, 14 de junho de 2013

                                                                                               Rosa Maria (a fadista)

  

  

quarta-feira, 12 de junho de 2013

o jogo do anjo


Carlos Ruiz Zafón. Um jovem escritor, que me tem surpreendido. E, pelos vistos, o mundo inteiro. Tem trabalho para isso. Um espanhol nos Estados Unidos. Aprender é estar onde precisamos. O mundo é a nossa casa e a nossa escrivaninha.

Estou a ler um dos seus últimos livros O Jogo do Anjo. Muito interessante desde a primeira linha. Depositou pensamentos escovados, no início. E bem traduzido. Uma excelente tradutora, a minha amiga, Isabel Fraga. Este livro foi-me há dias oferecido pelos meus padrinhos, que muito estimo. Vou partilhar um momento do primeiro capítulo: “Debati-me com cada palavra, cada frase, cada contorno, cada imagem e cada letra como se fossem os últimos que escreveria na vida. Escrevi e reescrevi cada linha como se a minha existência dela dependesse e depois reescrevi-a de novo. Tive como única companhia o eco do teclar incessante que se perdia na sala de sombras e o grande relógio de parede, a esgotar os minutos que faltavam para o amanhecer.” (p.16)

É uma história feita com palavras e sobre as palavras. As que são ditas pelas personagens. As contadas pelo narrador. As escritas pelo protagonista autodiegético. As pensadas pelo escritor-jornalista-narrador.

O jovem jornalista, sem vinte anos completos, é um caso de sucesso na redação, o que lhe subtrai amizades no trabalho.

“- A inveja é a religião dos medíocres. Reconforta-os, responde às inquietações que os roem por dentro e, em última análise, lhes apodrece a alma e lhes permite justificar a sua mesquinhez e cobiça a ponto de acreditarem que são virtudes e que as portas do céu se abrirão apenas aos infelizes como eles, que passam pela vida sem deixar outra marca que não seja a das suas mal-amanhadas tentativas de amesquinhar os outros e de excluir e, se possível for, destruir aqueles que, pelo simples facto de existirem e de serem quem são, põem em evidência a sua pobreza de espírito, mente e entranhas. Bem-aventurado aquele a quem os cretinos ladram, porque a sua alma nunca lhes pertencerá.”(p.22) É um discurso do também jornalista Pedro Vidal, seu amigo, a tentar animá-lo. Don Basilio, o diretor do jornal, elogia o discurso. Diz-lhe que se não tivesse nascido (refere-se a Vidal) rico, que deveria ter sido padre. Há amizade e animação entre estes três.

Mas o protagonista está desolado. Ele retrospectiva.

“Começava a sentir-me o mais feliz dos mortais quando descobri que uma boa parte dos meus colegas do jornal se sentiam incomodados com o facto de o benjamim e mascote oficial da redacção ter começado a dar os primeiros passos no mundo das letras quando as suas próprias aspirações e ambições literárias languesciam havia anos num pardacento limbo de misérias.”

Afinal, refletir e explicar o que todos vivemos, embora cada um à sua maneira, com imagens claras e expressivas magistrais é o valor superior dos escritores dotados e dedicados.

Assim como o médico é o curador do corpo, o padre o curador da alma, o escritor é o purificador da mente e do sentimento.

Não nos esqueçamos também de um pensamento sentido, amanhã, ao nosso mestre do genial fingimento poético. Fernando António por inspiração devota familiar pelo António casamenteiro, o santo popular. De todos.

Aconselho(-me) a ler.  

Inspirado pelo perfume a manjerico e gemidos fadistas.

Palavras embebidas em suor e melodia.                                    

                                                                                              Laranjeiro, 12 de junho/13             

                                                                                                     Rosa Duarte
 

                                                                                  

 

sexta-feira, 7 de junho de 2013

amar a primavera que há no outono


Não deixes que a vida se despeça

O brilho é tão intenso

No azul do firmamento

Teus olhos meninos concedidos

Cintilantes a marear das trémulas mãos.
 

- Deixa que a vida se despeça.
 

Dizes-me e sorris quase a ordenar.

Hoje oitenta já não chega

Quer mais, mãe

Mora no teu cansado corpo

Mas brinca ao firme andar

E ouve o silêncio ensurdecedor

Do passado bem aprendido.

Vem para aqui, mãe

Não te escondas em ti

As nossas vozes são reais e
 
pensam no teu bensonhado berço.


Mais anitos, pois então.

E voltas-me a sorrir.

Sabes, a vida quere-te

Ver jogar também ao dominó

E cantar muitos parabéns.

Para já são oitenta primaveras.

Afinal, dizes-me tu

- Só vale a pena habitar

Um corpo que não me envelheça

A solidão de resiliência.
 

Preserva em ti o amor que te conhecemos

O peito ancorado da longa vida

Que ainda nos faz tanta falta

Em sonhos repetidos e sentidos

Ao fogão enegrecido pelo tempo

E a casa iluminada pelas chamas

Dos contentamentos ancestrais.

 

Tens razão, mãe

Não há pobreza na alegria

Nem tristeza na dignidade

De uma vida cultivada e

Partilhada até à despedida.

 

Leves oiço a correr no teu rosto

As lágrimas nos esteiros da tua pele

Que ainda te concedem pedidos espaçados

De calor e maresia crepuscular

E um horizonte matizado de infinito

Hospedando todos os mais queridos

No álbum outonal da tua vida.

 

Amo-te mãe.

Continuemos de mãos dadas

Assim

Quero oferecer-te um pouco mais

No meu humilde tempo dedicado

Sentadas lado a lado

No silêncio por nós aquecido.

 

Ainda bem que ficas um pouco mais.

 

Temos

No céu tantas estrelas para contar

A zelar por cada uma de nós

E sempre a conferenciar dentro de ti.

 

É isso mãe
Tu não queres que a vida se despeça.

Conversa com ela.


Amemos a primavera do entardecer.

 

                                             Laranjeiro, 7 de junho de 2013

                                                           Rosa Duarte