Carlos Ruiz Zafón. Um jovem escritor, que me tem
surpreendido. E, pelos vistos, o mundo inteiro. Tem trabalho para isso. Um
espanhol nos Estados Unidos. Aprender é estar onde precisamos. O mundo é
a nossa casa e a nossa escrivaninha.
Estou a ler um dos seus últimos livros O Jogo do
Anjo. Muito interessante desde a primeira linha. Depositou pensamentos escovados, no início. E bem traduzido. Uma excelente
tradutora, a minha amiga, Isabel Fraga. Este livro foi-me há dias oferecido pelos
meus padrinhos, que muito estimo. Vou partilhar um momento do primeiro capítulo:
“Debati-me com cada palavra, cada frase, cada contorno, cada imagem e cada
letra como se fossem os últimos que escreveria na vida. Escrevi e reescrevi
cada linha como se a minha existência dela dependesse e depois reescrevi-a de
novo. Tive como única companhia o eco do teclar incessante que se perdia na
sala de sombras e o grande relógio de parede, a esgotar os minutos que faltavam
para o amanhecer.” (p.16)
É uma história feita com palavras e sobre as palavras. As que são ditas
pelas personagens. As contadas pelo narrador. As escritas pelo protagonista
autodiegético. As pensadas pelo escritor-jornalista-narrador.
O jovem jornalista, sem vinte anos completos, é um caso de
sucesso na redação, o que lhe subtrai amizades no trabalho.
“- A inveja é a religião dos medíocres. Reconforta-os,
responde às inquietações que os roem por dentro e, em última análise, lhes
apodrece a alma e lhes permite justificar a sua mesquinhez e cobiça a ponto de
acreditarem que são virtudes e que as portas do céu se abrirão apenas aos
infelizes como eles, que passam pela vida sem deixar outra marca que não seja a
das suas mal-amanhadas tentativas de amesquinhar os outros e de excluir e, se
possível for, destruir aqueles que, pelo simples facto de existirem e de serem
quem são, põem em evidência a sua pobreza de espírito, mente e entranhas.
Bem-aventurado aquele a quem os cretinos ladram, porque a sua alma nunca lhes
pertencerá.”(p.22) É um discurso do também jornalista Pedro Vidal, seu amigo, a tentar animá-lo. Don Basilio,
o diretor do jornal, elogia o discurso. Diz-lhe que se não tivesse nascido (refere-se a
Vidal) rico, que deveria ter sido padre. Há amizade e animação entre estes três.
Mas o protagonista está desolado. Ele retrospectiva.
“Começava a sentir-me o mais feliz dos mortais quando
descobri que uma boa parte dos meus colegas do jornal se sentiam incomodados
com o facto de o benjamim e mascote oficial da redacção ter começado a dar os
primeiros passos no mundo das letras quando as suas próprias aspirações e
ambições literárias languesciam havia anos num pardacento limbo de misérias.”
Afinal, refletir e explicar o que todos vivemos, embora cada
um à sua maneira, com imagens claras e expressivas magistrais é o valor
superior dos escritores dotados e dedicados.
Assim como o médico é o curador do corpo, o padre o curador da alma, o
escritor é o purificador da mente e do sentimento.
Não nos esqueçamos também de um pensamento sentido, amanhã, ao nosso
mestre do genial fingimento poético. Fernando António por inspiração devota
familiar pelo António casamenteiro, o santo popular. De todos.
Aconselho(-me) a ler.
Inspirado pelo perfume a manjerico e gemidos fadistas.
Palavras embebidas em suor e melodia.
Laranjeiro, 12 de junho/13
Rosa Duarte
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