quarta-feira, 12 de junho de 2013

o jogo do anjo


Carlos Ruiz Zafón. Um jovem escritor, que me tem surpreendido. E, pelos vistos, o mundo inteiro. Tem trabalho para isso. Um espanhol nos Estados Unidos. Aprender é estar onde precisamos. O mundo é a nossa casa e a nossa escrivaninha.

Estou a ler um dos seus últimos livros O Jogo do Anjo. Muito interessante desde a primeira linha. Depositou pensamentos escovados, no início. E bem traduzido. Uma excelente tradutora, a minha amiga, Isabel Fraga. Este livro foi-me há dias oferecido pelos meus padrinhos, que muito estimo. Vou partilhar um momento do primeiro capítulo: “Debati-me com cada palavra, cada frase, cada contorno, cada imagem e cada letra como se fossem os últimos que escreveria na vida. Escrevi e reescrevi cada linha como se a minha existência dela dependesse e depois reescrevi-a de novo. Tive como única companhia o eco do teclar incessante que se perdia na sala de sombras e o grande relógio de parede, a esgotar os minutos que faltavam para o amanhecer.” (p.16)

É uma história feita com palavras e sobre as palavras. As que são ditas pelas personagens. As contadas pelo narrador. As escritas pelo protagonista autodiegético. As pensadas pelo escritor-jornalista-narrador.

O jovem jornalista, sem vinte anos completos, é um caso de sucesso na redação, o que lhe subtrai amizades no trabalho.

“- A inveja é a religião dos medíocres. Reconforta-os, responde às inquietações que os roem por dentro e, em última análise, lhes apodrece a alma e lhes permite justificar a sua mesquinhez e cobiça a ponto de acreditarem que são virtudes e que as portas do céu se abrirão apenas aos infelizes como eles, que passam pela vida sem deixar outra marca que não seja a das suas mal-amanhadas tentativas de amesquinhar os outros e de excluir e, se possível for, destruir aqueles que, pelo simples facto de existirem e de serem quem são, põem em evidência a sua pobreza de espírito, mente e entranhas. Bem-aventurado aquele a quem os cretinos ladram, porque a sua alma nunca lhes pertencerá.”(p.22) É um discurso do também jornalista Pedro Vidal, seu amigo, a tentar animá-lo. Don Basilio, o diretor do jornal, elogia o discurso. Diz-lhe que se não tivesse nascido (refere-se a Vidal) rico, que deveria ter sido padre. Há amizade e animação entre estes três.

Mas o protagonista está desolado. Ele retrospectiva.

“Começava a sentir-me o mais feliz dos mortais quando descobri que uma boa parte dos meus colegas do jornal se sentiam incomodados com o facto de o benjamim e mascote oficial da redacção ter começado a dar os primeiros passos no mundo das letras quando as suas próprias aspirações e ambições literárias languesciam havia anos num pardacento limbo de misérias.”

Afinal, refletir e explicar o que todos vivemos, embora cada um à sua maneira, com imagens claras e expressivas magistrais é o valor superior dos escritores dotados e dedicados.

Assim como o médico é o curador do corpo, o padre o curador da alma, o escritor é o purificador da mente e do sentimento.

Não nos esqueçamos também de um pensamento sentido, amanhã, ao nosso mestre do genial fingimento poético. Fernando António por inspiração devota familiar pelo António casamenteiro, o santo popular. De todos.

Aconselho(-me) a ler.  

Inspirado pelo perfume a manjerico e gemidos fadistas.

Palavras embebidas em suor e melodia.                                    

                                                                                              Laranjeiro, 12 de junho/13             

                                                                                                     Rosa Duarte
 

                                                                                  

 

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