O que me leva a escrever?
Interpelou-nos assim o letrista João Monge, na terça-feira
passada, a espicaçar a curiosidade do seu jovem público, que éramos nós,
profs., e os nossos alunos: O que me leva
a escrever?... Para que serve uma música? Do que falam as canções?...
De homem recatado, sentado na mesa dos convidados em frente
ao auditório, passou a uma figura verticalmente expressiva, que agradeceu e
explicou, no seu jeito de pedagogo que também é, o que é isto de fazer estas
coisas.
Não há receitas nem grandes cursos para letristas. “Eu não
vejo nada que vocês não vejam.” Foi uma das mensagens que quis passar.
Falou-nos um pouco da sua experiência de viver do lado de cá
do Tejo (“o lado certo”), num 14º andar da avenida 25 de abril em Almada. A
música «Postal dos Correios» dos Rio
Grande, com letra sua, foi fermentada à janela quando olhou para alguém e
imaginou a sua história. “Vou escrever a história daquele gajo que ali vai”.
Foi mais ou menos assim.
Falou também da ideia da passagem de testemunho, que é a
maior prova de amor aos jovens, na sua letra «Senta-te aí», composta e cantada
pelo mesmo grupo, de quem é amigo de longa data. Ainda bem que não o convidaram
para a banda, diz, porque não sabe cantar. Mas a escrever, não há pai… “É um
vício saudável”. Como também o é o teatro, de que é grande fã e autor.
Do que é que vive o autor? Foi uma pergunta de uma menina do
curso de Técnico de Secretariado.
Dos direitos de autor. “Quando pagarem um bilhete no teatro,
já sabem que uma pequena parte é para o encenador, que também é autor, outro
pequena parte para o cenógrafo, que também é autor, também para os atores…,
para o funcionário do bengaleiro, e a mais pequena parte é para o dramaturgo”,
elucida e parodia. “O autor é o gajo mais assaltado da época contemporânea.”
(sorrisos de apoio ao artista)
À minha mente assaltaram-me também as palavras do nosso
saudoso José Cardoso Pires, no seu E
Agora, José? o primeiro texto «Atento, Venerador e Obrigado», que é uma
declaração pessoal de refutação ao conceito do escritor na sociedade
portuguesa, que conclui assim: “Perante o exposto, e dado que lhe não são
possibilitadas quaisquer formas de recurso efectivamente consequentes, o
declarante remeteu-se, com o preço das inevitáveis segregações, à condição de
cidadão à margem, que é aquela para que certos Estados impelem o escritor que
crê na independência do espírito.” (p.16)
Passou-se à inspiração. E João Monge citou Picasso. Como ele,
não crê nela: “Eu só espero que a inspiração quando me bater à porta me
encontre a trabalhar.”
E continuou com palavras de sua autoria a incitar o
entusiasmo alheio: “O fracasso é um descanso; está sempre garantido.”
Ainda responde a mais umas quantas respostas. Escrever para
ele é uma droga boa. Qual o melhor trabalho? O melhor trabalho é
tendencialmente o último, porque é como uma cria que o progenitor não se cansa
de lamber e de olhar, embasbacado…
João Monge quis distinguir a letra de uma música de um poema.
As artes de palco e as que não são. A vida do poema num papel em branco e a letra-canção
numa música num espartilho que é o tempo limite. O leitor do poema que decide o
tempo. E o cantor que é o emissor da letra.
Pelo meio ainda lembrou mais nomes, o João Nobre dos De Weasel, com quem está a fazer um
trabalho. O Gabriel, o Pensador, que
é bom músico. O Vinicius de Moraes, que é uma referência maior da música e da
poesia. Luís de Camões d’ Os Lusíadas,
cantáveis e cantados. E, naturalmente,
os nomes residentes dos seus amigos Rui Veloso, Jorge Palma, Tim, Camané,
Vitorino, Carlos do Carmo.
Na manhã seguinte, fomos espreitar a Pietá do Camané, do João Monge e do António Chaínho. Michelangelo
não se importaria, de certeza, de a ouvir…
Laranjeiro,
31 de outubro de 2012
Rosa
Duarte