CANTAR TAMBÉM É TRABALHO
Este sábado, dia 13, a bandeira nacional foi a cantiga. Desfraldada
numa praça humanizada, sem trânsito, o trabalho sério e combativo dos nossos
artistas portugueses foi hasteado com palavras e música bem madura. De grande expressão
emblemática. A arte de compor para predispor à coragem da afirmação. Não aquela
música para entreter e conformar o ceguinho, mas a compartilhada e sentida, porque
engrandecida pelo tom da vontade comum. Sabemos que a arte nos ensina e nos
eleva no nosso trabalho diário. A bem dizer, sempre pressupondo uma equipa. Que
se deve apoiar e encorajar! Sabemos que é a cantar que mais se intensifica a
alegria de participar no grande projeto humano: a cooperação. As nações não se
fortalecem fechadas sobre si mesmas, mas em coprodução. Se cada um der o seu melhor,
então é de supor bom senso e não castigo. As tristezas não pagam dívidas. O que
é de todos, não pode ser privativo. E ainda há quem trabalhe para oferecer
cantigas. Sem pagamentos a 30 dias. Pois a música é ganha-pão, sem desprezo, de
nobres sementes que sempre fertilizam; o dinheiro não. Este é alimento nas
caixas de multibanco e um metal infértil nos recônditos cofres blindados do
senhor papão.
O canto é um fermento sem iva, que cresce até a voz doer. Quem
não dá o que não tem, não pode ser supliciado. A cantar, com firmeza e
afinação, um alerta para a dor da desgovernação. Somos todos pardos na toada
genesíaca. Amados pelo timbre primordial. O fruto no parto da Gaia mãe. Um dia
enternecer-nos-emos verdadeiramente com a sua generosidade isenta de impostos
ou congelamentos, talvez a tempo de a reanimar...
Anfitriã foi a noite da massa crítica no relvado fresco e no
asfalto morno, persistente plebe no seu intento. A lembrar que é gente, maior do
que toda a dívida do mundo. Ávida dos cravos da serenidade. De qualquer sentido
circulável. Nas ruas deste pequeno país. Onde cabem praças de Espanha, avenidas
de Berna, Penhas de França, avenidas do Brasil, dos Estados Unidos da América,
de Londres e de Paris, lugares de todo o mundo. Sabemos chegar e partir. Gostamos
de aprender. Vamos à escola (os mais dedicados…), mas suamos para as propinas.
Sentamo-nos ao lado de toda a gente. E não esquecemos a família. Gostamos da
armilada bandeira, não rendida, não voltada para baixo, mas de orgulho e
persistência, de cabeça erguida. Guerreiros da paz e da diplomacia. Em cada
esquina, uma cantiga, uma arma de poesia.
Homenagem cantada aos senhores de abril. 25 da história da democracia.
Para os mais novos, a experiência da força popular, o canto das letras no
compêndio sobre Portugal. Conhecer o lado combativo e fraterno do rosto vizinho.
Ajudar a erguer a melodia como um facho a arder na noite escura e gritar, com
emoção: O POVO UNIDO JAMAIS SERÁ VENCIDO.
Palavras de ordem jamais esquecidas.
Então o palco emudeceu.
Mergulhados na multidão, ainda saudámos e conversámos com uma
grande senhora dos palcos inconformados: Maria do Céu Guerra. Caminhada apetecida
pela avenida a lembrar os célebres cenáculos oitocentistas também a céu aberto
de braço dado sobre o estado incomportável das finanças do país.
Ó gentes da minha terra, bem hajam.
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