quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

a publicar na plataforma da escola


MAIS UM WORKSHOP NA RLG SOBRE A ESCRITA JORNALÍSTICA

Como escrever uma notícia?

No dia 22 de fevereiro, numa sala de aula, Pedro Brinca, diretor do jornal online Setúbal na Rede, voltou à RLG para dar mais umas dicas sobre a técnica de escrever uma notícia.

E passou à prática: Como começar a história da Gata Borralheira em forma de notícia?

Com os cerca de 20 alunos presentes, formaram-se cinco grupos e rascunharam-se propostas distintas. Enfim… o jornalista constatou um certo abuso de adjetivos, muitos pormenores, alguns sapatinhos a mais…

A pensar na perspetiva do interesse imediato do hipotético público, importante foi destacar o final do acontecimento, convencionalmente feliz. Um título do tipo «Cinderela casou com o Príncipe». Uma chamada de atenção: sem adjetivos, ou pormenores no lead e perdido só o sapatinho… Mantendo o inevitável e apreciado romantismo, é certo. Consideraram-se algumas notícias aceitáveis; como esta:

Sapato perdido, amor encontrado

Uma criada de servir perdeu ontem à meia-noite um dos seus sapatinhos de cristal ao sair do baile, no salão dos Alunos de Apolo, promovido pela Casa Real em honra do Príncipe casadoiro.

Pouco ainda se sabe, mas está confirmado que o Príncipe se perdeu de amores por aquela plebeia.

De seguida, o jornalista convidado aproveitou para comentar uma ou outra notícia de alguns destes alunos que tinham sido enviadas para o Setúbal na Rede destinadas ao projeto Jornalismo na Escola e reforçou algumas achegas: os pontos de exclamação não se usam nem nos títulos nem no corpo da notícia; as figuras de estilo são de evitar; o rigor e a seriedade são imperiosos. Nada de notícias exaustivas…

Esclareceu ainda a dúvida sobre a citação jornalística, que deve manter o verbo na terceira pessoa fora das aspas e estas servem para conter a expressão de interesse que se quer citar.

O brainstorming sugerido no início ficou agendado para uma próxima visita.

O público jovem agradeceu, agradado. A equipa docente fez a saudação final.

                                                                          Laranjeiro, 25 de fevereiro de 2013
 

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

às nossas tias freiras


UMA VIDA CIRCUM-NAVEGADA

ouve-se um pingar no ralo da banheira. rodas abafadas a um certo longe que deslizam em alcatrão de gravilha molhado, escorregadamente. parecem brincar na chuva. intervalos de um ténue zumbido de ausência. quase silêncio. ponteiros marcham certeiros a compasso, ainda sonolentos da manhã. a circum-navegar a vida. mais um ciclo de dia. sereno e cinzento. alguma vidraça remexe-se. não sossega, caramba. um assobio humano conhecido repetido. de dono ansioso. afasta-se. então dispara uma sirene. é uma ambulância aflita. quem levará nela?

- ainda não quero morrer, doutor – declarava uma combalida senhora bem parecida, apesar de não ter placa, deitada numa maca, com alguns tons azulados de mau prenúncio. como o homem gosta de presságios e espíritos… quase vive em pré-anúncio de morte declarada. não receemos: é o momento mais democrático na vida do ser humano.

- é melhor não entrar. vão lá ter. – aconselhava o paramédico. recatadas senhoras, freiras de congregação, entreolharam-se. a nossa querida irmã Conceição… falecer por falecer, preferiam-no lá nos seus austeros, mas cómodos aposentos. Deus o permitirá…

entubada, com bilha de oxigénio, prostrada, a enferma falou a espaços no percurso até ao hospital. um corpo imóvel, mas de cabeça com ânsias na vida…

num quarto deitada, ia ouviando ao longe o som daquela pequena cidade ribatejana. um pequeno pluvial miudinho aguçava-lhe a nostalgia da família. então via a irmã deitada ao seu lado. na sua direita. qual das irmãs? sorriu-lhe. faziam companhia uma à outra, na saúde e no recolhimento da doença.

- bom dia, irmã Conceição. melhorzinha? – era a médica de serviço.

- claro que sim, senhora doutora. pronta para ir para casa. já me consigo levantar. – respondia-lhe, um tanto ansiosa e quase infantil.

- bom, bom. vamos lá ver isso. – e auscultava-a, media-lhe os níveis de oxigénio, fazia-lhe umas perguntas clínicas e invadia-se no seu passado conventual… de sabor a mistério e ficção. ora, mais outra viagem à sua gaveta das memórias. será que a senhora doutora saberia se quando morrer as poderá levar consigo?

- ó irmã, Deus poupa-se às nossas memórias! convida-nos, mas deixa-as portas fora, a arejar.- riram-se.

após a hora da visita, sentiu-se sonolenta. vozes repentinas metralhadas no corredor sacudiram-lhe a modorra quase destituía do querer participar em mais um final de dia, naquelas familiares rotinas de terço e salmos louvados. como andarão, na escola, os seus meninos do centro paroquial, e os ainda mais velhotes da Misericórdia de tantos pensamentos partilhados…

Conceição, também ela, já idosa de 82, dividia-se entre gestos de despedida e resilientes palavras e movimentos de conforto para mais um momento de reflexão.

- lembro-me de todos. deixa estar. a tua mãe, ah…pois é…a tua mãe…- e colocou pensativamente o auscultador do telefone. a máscara do oxigénio a interferir-lhe nas preocupações. quanto tempo com aquela bilha, seria para sempre? quanto o para sempre? Dias, meses, anos… deixaria a sua já única irmã órfã de si.  das outras, iria ao encontro. reconhecê-las-ia na luz perpétua do ascender?…

mais uma vez a cor azul, não do céu, mas da sua pele, do rosto, os lábios escurecidos, um fio de sangue enegrecido a despontar ao canto da boca levemente inanimada, o corpo a prostrar-se…com um sereno adeus. E lá se foi. ao som dos responsais mais afinados que alguma vez cantaram aquelas servas do Senhor. os salmos de escolhidos polifónicos. De profundis. com sinos a repique. um convento a enlutar-se. constrangedora inscrição fúnebre colada ao portão encimada de pequenina cruz negra, conforme o catálogo de impressão doméstica de qualidade. juntos à igreja do santo milagre. um pingo de sangue escorrendo saudade.

a vida e a morte, de braço dado, em cada memória humana. mentora além tempo. esquife da vida, simples e claro, repousando no ventre de um relvado descampado, desenhado a lápides regulares e por um convento rústico amenizado pelo vento. romantismo a perder de vista…sem morte anunciada.

um lugar celebrado nas linhas viageiras de quem amou aquela religiosa gente. como Garrett quando se foi instalar nos paços do seu amigo Passos Manuel há precisamente cento e setenta anos. e ainda lá está na sua prolongada visita… a contar a história da encantadora joaninha em contraluz e do frade distante que não ousou apadrinhá-la… a sua e as nossas velhinhas a fiar, contemplando o infinito e mais além na sua cegueira para o mundano. as nossas queridas tias freiras a fiar as constelações da abóbada reluzente  hospitaleira das terras de Santarém.

famílias de um Deus maior abraçando colinas e em devaneio pelo famoso vale insuflado de vida e de pasto luminoso.

frondosas árvores brotam da mesma terra lindos ramos floridos com o húmus de esta amada humana gente.

descansa em paz, tia.

                                                                 Santo Milagre, 21 de fevereiro de 2013

                                                                                 A tua sobrinha Rosa  
  

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

valha-nos o teatro...


O CONDOMÍNIO DA RUA
Há dias fui ver e gostei. O Condomínio da Rua. No Teatro Dona Maria II. À quinta feira. Pois… agora tem que ser, não é…
Quase, mas só quase, a sentir crescer uma leve tentação de experimentar o sem-abriguismo. Romper as peias do socialmente correto. Em especial aquele verniz que esconde o melhor de cada um, ou o execrável… Uma coragem tipo a da intelectual da peça. Que se sentiu só e esquecida no seu próprio meio. Sobejamente cómodo e civilizado. E com tanta mendicância! Talvez a mais difícil de erradicar. Com miríades de redes sociais para criar pseudo-amigos… e auscultar o grau de popularidade. Daquela que se fantasia no reino da idealização, se boicota ou se combina conforme a camisola, a cor da foto e as influências. E a qualquer momento, zás, se desmorona ao primeiro olhar inédito e infunde a autista necessidade do socialmente massificado.
A proposta é arriscar descoser galões. Os círculos sufocados. Grupos e grupinhos. Galos e galinhas. Então com regimes mais do que vegetarianos. É a verdadeira prática do jejum. Com micróbios e cheiros retardados, nauseabundos… Mas entregar-se a um céu aberto, de alma a entreabrir-se, a desatinar com o autêntico despojamento imperial, sem likes nem lisonjas convenientes, a não gostar sem rodeios e afetações imitadas e a ter, pasme-se a ironia do destino, pensamentos tribalistas, ao dividir o chão imundo de um armazém moribundo e um iogurte retardado.  
A conhecida escola da rua. Sem regalias ou reformas. Tudo verdadeiramente gratuito. Ou talvez não completamente… Vizinha da outra, a nossa instituída, embora ainda mais mal-amada de paixões governativas.
Contudo, ambas receosas de ações de despejo ou, mais doentio ainda, de condomínios fechados de ideias e de cooperação.
                                                                           Lisboa, 15 de fevereiro de 2013
                                                                                         Rosa Duarte
 

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

publicado no nº 788 do Setúbal na Rede


EM DEFESA DO ENSINO PÚBLICO PORTUGUÊS

 

Porque é importante debater. Também rebater. Embater contra certas ideias de tornar privado o que é de todos e para todos. Como a saúde. Com ela não se brinca. E a saúde do estado social da nação está a ser fortemente descuidada. Os seus pilares basilares podem abater-se a qualquer momento sobre as nossas cabeças. As nossas mentes. À vista de todos. Tentados por certos intentos economicistas. A derrocada de educação pública. Que não é mercantilizável, nem mesmo sob pretexto da maior crise financeira. É que sem valores éticos amplamente transversais no ensino, não há política nem economia verdadeiramente sérias.

Decerto ainda não se esgotaram os necessários esclarecimentos, a concertação de novas posições e as consequentes contribuições. Comentários e sugestões. Novas políticas democráticas alternativas. Nada menos se quer e se anseia que, debalde modestos, luminosos rasgos de consciência comunitária, nacional e europeia.

No princípio foi o verbo. Criador, ao celebrar a declaração dos direitos universais do homem. Com educação para todos. Mais tarde, o alargamento da escolaridade obrigatória, hoje até ao 12º ano. Garantida pela gratuitidade da educação. Sem propinas. Já não é mau. Entretanto com exigências de mais habilitações. Um curso superior para fazer face ao mercado especializado e competitivo. Um ensino superior reconhecidamente de qualidade por todos e imprescindível ao desafio das sociedades atuais. Embora não acessível a todos. É indiscutível a visceral defesa popular pela escola pública. Porque a educação nos move e nos demove de quaisquer pensamentos exclusivistas ou estatutários. É superior a qualquer cor política ou projeto económico. Em prol do bem-estar de qualquer a nação. É um sentimento maior porque é apolítico e transnacional. Que ao longo da sua história se tem justificado por si mesmo. Não deveria de precisar quem o justificasse. Já se sabe que não estão obviamente só em causa os saberes disciplinares, académicos, mas igualmente as competências sociais, reflexivas, críticas, criativas, a autonomia… Uma diversidade de valências essenciais à boa formação de qualquer ser humano. De mim própria, de um filho, de um vizinho, de um transeunte, de um funcionário de qualquer serviço…Um ensino para quem a qualidade tem vindo a desenvolver-se numa consequente adaptação às exigências e à própria internacionalização. As universidades públicas correndo alguns riscos de asfixia com o atual orçamento. Apesar das receitas que, contas feitas e divulgadas, as eleva ao terceiro país da Europa com um ensino superior de propinas mais caras. Malgrado as liberalizadas. O Estado português é pobre. Pois será… é pena. Podia não ser… Mas mais são os alunos, que têm vindo a desistir cada vez mais de estudar, devido a esses custos incomportáveis.

É um sério problema para o todo o estado da nação. Estas gerações têm que estar bem preparadas para se afirmarem num mercado de trabalho nacional e europeu que os acolhe e rentabiliza à escala da sua capacidade. E a saúde de uma nação avalia-se pelo índice da sua capacidade empregadora. As instituições escolares e universitárias a trabalharem cada vez mais, com cada vez menos recursos. Sempre dinâmicas e atentas ao fenómeno da globalização. Resilientes e lutadoras pela Causa. E, no meio disto tudo, alguns pais esperançosos por protocolos celebrados entre os meios académicos e as entidades empregadoras. Um patamar que “tem muito que se lhe diga”, segundo palavras sentidas e contidas do Reitor da Universidade de Lisboa. Conscientes de que: “Aprendemos a voar como pássaros e a nadar como peixes, mas não aprendemos a conviver como irmãos.” (Martin Luther King)

Como ambicionar o desenvolvimento das qualidades humanas e suas competências essenciais nas mais distintas funções, nomeadamente na governação, se se permitir a derrocada do ensino plural, vital à sobrevivência da democracia e da sua construção?

                                                                          Laranjeiro, 22 de janeiro de 2013

                                                                                             Rosa Duarte