COMO A ARTE NOS CONHECE!
A arte é a nossa maior cúmplice. Mesmo
para os lógico-dedutivos! Se a arte são as emoções diárias, os sonhos sempre fantásticos,
os estilos ao espelho, os pensamentos arrojados, os retratos incompletos, os
pequenos rituais existenciais, as linguagens comprometidas… então criamos para
nos conhecermos. (Re)inventamo-nos para não pararmos cada emocionante jornada.
E a qualquer momento, a arte acena
a convidar-nos pela capa de um livro. A seduzir porque é fisicamente atraente. Ou
quimicamente cheiroso. Ou inteligentemente oportuno. Ou semanticamente
indagador ou contemplativo…
Paro, olho e folheio. E vejo-me a
passear com um livro graficamente colorido intitulado Poust
era um Neurocientista, de um jovem americano, Jonah Lehrer, que almeja o
entendimento de quem somos e afirma que a arte antecipa a ciência, ou por
outras palavras, como a arte é grandiosa na observação da complexidade
contraditória do ser humano.
É um livro acarinhado publicamente
por António Damásio, em que o próprio autor reforça a ideia de que nenhum mapa
da matéria consegue ainda explicar a imaterialidade da nossa consciência.
É mais um livro interessante, até
porque dá uma perspetiva curiosa do pensamento de vários artistas, das letras e
da imagem, como Walt Whitman, que foram pioneiros na sua perceção distinta de
uma realidade diversa da natureza humana. Este, por exemplo, ao introduzir uma
nova subjetividade na conceção poética e do hino que faz da sua poesia à vida
material indissociável da vida espiritual. A técnica inovadora dos seus poemas,
em verso livre, que influenciou o mundo moderno, incluindo o nosso poeta e
ensaísta português Fernando Pessoa.
Jonah Lehrer refere que “Muito antes de
Damásio, já Whitman compreendia que “o espírito recebe do corpo tanto quanto dá
ao corpo”. Eis a razão pela qual ele ouvia a carne tão intimamente: era lá que
a sua poesia começava.” (p.39)
Álvaro de Campos tem um poema
dedicado a Walt Whitman: Saudação a Walt Whitman. Este que cantou energicamente a vida anatómica com palavras
que sangram como veias.
Nós vamos conhecendo e tendo
consciência das nossas contradições naturais e do mundo em que vivemos. (Ainda)
Não as sabemos explicar e, muito menos, se o quisessemos, desativá-las. Só a arte, nas suas
múltiplas linguagens criativas, as consegue representar de forma diversa e
única, o que nenhuma lógica ou método científico parece alcançar.
Pelos vistos foi William James o
primeiro cientista a aperceber-se de que a poesia de Whitman era literalmente
verdadeira: é o corpo a fonte dos sentimentos.
Outro nome conhecido das letras, George
Elliot, a rapariga de muitos nomes, cedo se decidiu a ser romancista, numa
época em que as mulheres tinham pouca liberdade, porque o seu objetivo era
oferecer-nos uma visão de nós próprios, “mais segura do que uma teoria em
mudança” (p.44).
Laplace, o fundador da “ciência
da humanidade”, o matemático mais famoso do tempo de Napoleão, também seu
ministro do Interior, dizia que não precisava de Deus porque acreditava na
teoria da probabilidade a partir das medições astronómicas para responder aos mistérios
e capaz de qualquer previsão. Mas toda a matéria estava e está a transformar-se
lentamente. O céu descrito pelos astrónomos é "consistentemente inconsistente".
Em Elliot o mistério intrínseco
da vida é um dos seus temas mais apaixonantes. Elliot citava In Memoriam do poeta inglês Tennyson
(1809-1892): “Acreditem / Há mais fé numa dúvida honesta, do que em metade dos
credos” (p.54).
E Lehrer interpela o seu leitor: “Se a ciência pudesse ver a
liberdade, com que se pareceria? Se quisesse encontrar a vontade, onde a
procuraria?” (p.56).
De facto, a biologia na altura não
partilhava da fé de Elliot na plasticidade do cérebro. O que lhe confere um espírito criativo e visionário. A ela e a muitos outros pensadores desta e de outras épocas, amantes
da representação atenta e inventiva da vida.
E Proust?...
Estou estupefacta…e pensativa,
reforçando a consciência da dimensão escalpelizadora da sua arte.
8 de outubro de 2012
Quinta
do Rouxinol
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