sexta-feira, 12 de outubro de 2012

narrativa e medicina


«A MINHA NARRATIVA»

A última conferência a que assisti do projeto Narrativa e Medicina, realizada no dia 19 de Setembro, foi proferida por João Lobo Antunes, Professor Catedrático de Neurocirurgia da Faculdade de Medicina de Lisboa, intitulada «A minha narrativa», que foi a conferência inaugural do ano letivo 2012-13.

Como esperava, resultou numa conversa informal muito interessante em que este médico assumiu mais uma vez o papel de leitor e autor da grande narrativa que é a vida, criando grande afinidade entre o mundo das letras e a ciência neurológica e cirúrgica.

Embora Lobo Antunes tivesse preparado um texto que expressivamente leu, a sua conferência tendeu mais para uma partilha de cumplicidades, muitas literárias, com o público do momento, atento e espontâneo, na Faculdade de Letras de Lisboa. O orador confidenciou que é um homem de letras, embora a sua “dieta literária” não siga nenhum programa em especial. De tal modo que foi sensível à importância da importância da narrativa na doença. “A doença é o maior igualizador do ser humano” desabafa. E vai mais longe: reconhece o poder curativo da palavra. Embora às vezes as palavras sejam cinzeladas pelos instrumentos que usa. E cita Virgínia Woolf: “A doença requer uma nova hierarquia de paixão.”

O médico sublinha, de acordo com a sua experiência, a admissão da culpa na narrativa da doença. Um ato de contrição da parte do doente. “Os doentes esperam de nós, médicos, a absolvição”. Procuram desconjurar o medo. Por vezes também há um narcisismo incongruente. Os sentimentos humanos diversos perante as consequências do comportamento de risco, a transgressão e o desafio da ordem.

João fala também da compaixão ontológica, mas prefere a comiseração piedosa. E procura todos os indícios do medo. Ele próprio tem receio, por exemplo, da cadeira de rodas. Da dependência física. De ficar uma pessoa diferente.

E recorre às suas memórias de infância quando a sua mãe o levava, a si e aos irmãos, ao médico, vestidos com o melhor traje, o de domingo. Era como um ato sagrado. “As histórias são tijolos com que fui construindo o meu currículo”. Delicia-nos. “As relações íntimas nascem nas palavras. Não propriamente nas relações físicas, mas na sua textura.” O médico da altura fazia o favor de ser seu amigo.

“Cheguei à medicina com o gosto pelas histórias.” E pelos vistos esse gosto não foi caso isolado na sua família…

“Há escritores que me morreram.” Cita A Peste de Albert Camus. Lembrei-me logo do “meu” (perdoei-me!!) José Cardoso Pires. Este escritor que responsabiliza pelo seu ato da escrita, De Profundis, Valsa Lenta,  João Lobo Antunes.

Apetece citar a frase de Abel Salazar: “Um médico que só sabe de medicina não pode ser bom médico”. O conhecido fundador do Instituto com o seu nome na Universidade do Porto, onde estudou o meu rapaz mais velho (não resisti…).

Com João Lobo Antunes é, nada mais, nada menos, do que ensinar a ética através do gesto mais eloquente: o exemplo.

Saudações carinhosas ao sempre apreciado mano António.

                                                                      Quinta do Rouxinol, 12 de outubro de 2012

                                                                                             Rosa Duarte

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