«A MINHA NARRATIVA»
A última conferência a que
assisti do projeto Narrativa e Medicina,
realizada no dia 19 de Setembro, foi proferida por João Lobo Antunes, Professor
Catedrático de Neurocirurgia da Faculdade de Medicina de Lisboa, intitulada «A
minha narrativa», que foi a conferência inaugural do ano letivo 2012-13.
Como esperava, resultou numa
conversa informal muito interessante em que este médico assumiu mais uma vez o
papel de leitor e autor da grande narrativa que é a vida, criando grande
afinidade entre o mundo das letras e a ciência neurológica e cirúrgica.
Embora Lobo Antunes tivesse
preparado um texto que expressivamente leu, a sua conferência tendeu mais para
uma partilha de cumplicidades, muitas literárias, com o público do momento,
atento e espontâneo, na Faculdade de Letras de Lisboa. O orador confidenciou
que é um homem de letras, embora a sua “dieta literária” não siga nenhum
programa em especial. De tal modo que foi sensível à importância da importância
da narrativa na doença. “A doença é o maior igualizador do ser humano”
desabafa. E vai mais longe: reconhece o poder curativo da palavra. Embora às
vezes as palavras sejam cinzeladas pelos instrumentos que usa. E cita Virgínia
Woolf: “A doença requer uma nova hierarquia de paixão.”
O médico sublinha, de acordo com a
sua experiência, a admissão da culpa na narrativa da doença. Um ato de
contrição da parte do doente. “Os doentes esperam de nós, médicos, a
absolvição”. Procuram desconjurar o medo. Por vezes também há um narcisismo
incongruente. Os sentimentos humanos diversos perante as consequências do
comportamento de risco, a transgressão e o desafio da ordem.
João fala também da compaixão
ontológica, mas prefere a comiseração piedosa. E procura todos os indícios do
medo. Ele próprio tem receio, por exemplo, da cadeira de rodas. Da dependência
física. De ficar uma pessoa diferente.
E recorre às suas memórias de
infância quando a sua mãe o levava, a si e aos irmãos, ao médico, vestidos com
o melhor traje, o de domingo. Era como um ato sagrado. “As histórias são
tijolos com que fui construindo o meu currículo”. Delicia-nos. “As relações
íntimas nascem nas palavras. Não propriamente nas relações físicas, mas na sua
textura.” O médico da altura fazia o favor de ser seu amigo.
“Cheguei à medicina com o gosto
pelas histórias.” E pelos vistos esse gosto não foi caso isolado na sua
família…
“Há escritores que me morreram.”
Cita A Peste de Albert Camus.
Lembrei-me logo do “meu” (perdoei-me!!) José Cardoso Pires. Este escritor que
responsabiliza pelo seu ato da escrita, De
Profundis, Valsa Lenta, João Lobo
Antunes.
Apetece citar a frase de Abel
Salazar: “Um médico que só sabe de medicina não pode ser bom médico”. O conhecido
fundador do Instituto com o seu nome na Universidade do Porto, onde estudou o
meu rapaz mais velho (não resisti…).
Com João Lobo Antunes é, nada
mais, nada menos, do que ensinar a ética através do gesto mais eloquente: o
exemplo.
Saudações carinhosas ao sempre
apreciado mano António.
Quinta do
Rouxinol, 12 de outubro de 2012
Rosa Duarte
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