sexta-feira, 7 de junho de 2013

amar a primavera que há no outono


Não deixes que a vida se despeça

O brilho é tão intenso

No azul do firmamento

Teus olhos meninos concedidos

Cintilantes a marear das trémulas mãos.
 

- Deixa que a vida se despeça.
 

Dizes-me e sorris quase a ordenar.

Hoje oitenta já não chega

Quer mais, mãe

Mora no teu cansado corpo

Mas brinca ao firme andar

E ouve o silêncio ensurdecedor

Do passado bem aprendido.

Vem para aqui, mãe

Não te escondas em ti

As nossas vozes são reais e
 
pensam no teu bensonhado berço.


Mais anitos, pois então.

E voltas-me a sorrir.

Sabes, a vida quere-te

Ver jogar também ao dominó

E cantar muitos parabéns.

Para já são oitenta primaveras.

Afinal, dizes-me tu

- Só vale a pena habitar

Um corpo que não me envelheça

A solidão de resiliência.
 

Preserva em ti o amor que te conhecemos

O peito ancorado da longa vida

Que ainda nos faz tanta falta

Em sonhos repetidos e sentidos

Ao fogão enegrecido pelo tempo

E a casa iluminada pelas chamas

Dos contentamentos ancestrais.

 

Tens razão, mãe

Não há pobreza na alegria

Nem tristeza na dignidade

De uma vida cultivada e

Partilhada até à despedida.

 

Leves oiço a correr no teu rosto

As lágrimas nos esteiros da tua pele

Que ainda te concedem pedidos espaçados

De calor e maresia crepuscular

E um horizonte matizado de infinito

Hospedando todos os mais queridos

No álbum outonal da tua vida.

 

Amo-te mãe.

Continuemos de mãos dadas

Assim

Quero oferecer-te um pouco mais

No meu humilde tempo dedicado

Sentadas lado a lado

No silêncio por nós aquecido.

 

Ainda bem que ficas um pouco mais.

 

Temos

No céu tantas estrelas para contar

A zelar por cada uma de nós

E sempre a conferenciar dentro de ti.

 

É isso mãe
Tu não queres que a vida se despeça.

Conversa com ela.


Amemos a primavera do entardecer.

 

                                             Laranjeiro, 7 de junho de 2013

                                                           Rosa Duarte
 

 

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