quinta-feira, 29 de novembro de 2012

a ciência é a grande invenção do homem


EXORCISAR PARA APRENDER

Numa desejável atitude multidisciplinar, ando em busca das últimas investigações científicas sobre a natureza da memória e da consciência. Apesar do meu interesse prioritário pela arte, reconheço que a sabedoria está na consciência das nossas limitações. São muito pertinentes as reflexões de Carl Sagan quando afirma no seu livro Um Mundo Infestado de Demónios (1997), por exemplo: “A ciência está longe de ser um instrumento de conhecimento perfeito. É apenas o melhor de que dispomos.” (p.42) É a tal rota segura que gostamos de seguir para compreender o mundo. Pois sabemos que a ignorância sobre nós mesmos é uma ameaça à existência em si mesma e que se tem assistido ao longo da história a sérias dificuldades de comunicação humana, preconceitos étnicos e sociais que, em tempos de penúria económica e ética como os de hoje, faz crescer o desespero e a crendice.

Esperemos que os fundos para o trabalho científico não se esgotem de todo, já que há muitos jovens na expectativa da sua bolsa…

Penso que Eric Kandel é atualmente a autoridade científica na área da descoberta da base celular da memória. De acordo com o seu trabalho reconhecidamente premiado, a base celular da memória é a alteração persistente na eficiência da sinapse. Ao jeito da verdadeira ciência comprovada em laboratório, o modelo experimental simples foi um tipo de lesma-do-mar do género Aplysia.

Portanto, as sinapses formam os pilares da memória. São as tais marcas sinápticas que perduram, mas também mudam constantemente, oscilando entre as lembranças e o esquecimento. Então, onde é que isso acontece mesmo? Na sinapse, entre as células nervosas e sensoriais, onde há um aumento na libertação de transmissores. Cada vez que o neurónio sensorial é ativado, leva a uma mais forte ativação muscular. O processo de aprendizagem é mediado via fosforilação, inicialmente na sinapse, que resulta na memória a curto prazo e, mais tarde, via alterações na ativação dos genes. Fui bisbilhotar à página do laureado.

Contudo, também sei que tenho que estar atenta aos jovens investigadores, igualmente portugueses, dentro e fora do país, que estão “em mãos” com esse objeto de estudo científico, pois o meu desejo é estar a par das últimas. Uma Marta Silva em Amesterdão, por exemplo. Jovens bem encaminhados, felizmente ainda com algum apoio institucional… Que se pautam por um dos mandamentos mais importantes da ciência: «Desconfia das afirmações das sumidades», ou seja, a ciência na sua proclamada independência dos interesses pessoais ou nacionais, que nos leva ao verdadeiro caminho da compreensão do mundo. Sabendo, a rigor, que nem as leis da natureza são consideradas absolutamente certas, para não falar dos buracos negros, da matéria escura…

No quadro teórico das investigações de António Damásio, no seu Livro da Consciência ( e o autor explica que utiliza a expressão quadro teórico para se referir ao trabalho desenvolvido), este afirma que os organismos criam mentes a partir dos neurónios, concentrados sobretudo no sistema nervoso central (o cérebro), constituídos por uma extensão fibrosa chamada axónio e pela sua extremidade, a sinapse, a partir da qual são enviados sinais a outras células musculares, por vezes muito distantes de si. Quando é que nos apercebemos dessas mensagens no nosso corpo?

“A mente surge quando a atividade de pequenos circuitos se organiza em grandes redes, capazes de criar padrões neurais. Estes padrões representam objetos e acontecimentos situados fora do cérebro, tanto no corpo como no mundo exterior, mas certos padrões representam igualmente o processo de outros padrões por parte do cérebro.” (DAMÁSIO, ANTÓNIO: p.36)

São essas imagens que a nossa mente experimenta, a partir dos padrões que Damásio também chama de mapas, sensoriais, viscerais, alguns concretos e outros abstratos, que são a matéria-prima do artista ao exprimi-las e enriquecê-las com a sua sensibilidade. Que não é apenas um produto material, mas também espiritual. “A ciência não é apenas compatível com a espiritualidade, mas é uma fonte profunda de espiritualidade. Quando reconhecemos o nosso lugar na imensidão de anos-luz e na passagem dos séculos, quando aprendemos a complexidade, a beleza e a subtileza da vida, esses sentimentos de exaltação, de júbilo e de humildade associados são sem dúvida espirituais. O mesmo se passa com as nossas emoções em presença da grande arte, música ou literatura, ou atos de exemplares coragem e abnegação, como os de Mohandas Gandhi ou de Martin Luther King, Jr. A ideia de que a ciência e a espiritualidade se excluem mutuamente presta um mau serviço a ambas.” (SAGAN, CARL: pp.44/5)

Por isso António Damásio abre o seu livro anteriormente citado com a merecida  homenagem a Fernando Pessoa, apelidando-o de “um dos grandes trabalhadores literários da consciência”.

Bem hajam.

                                                                  Laranjeiro, 28 de novembro de 2012

                                                                                 Rosa Duarte

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