A NARRATIVA DO PRESENTE
NATAL
A narrativa é o melhor presente de Natal. Em qualquer ciclo
da idade do homem. É a grande ciência da temporalidade humana. Que começa
quando eu, por exemplo, penso no genesíaco sopro desta minha existência. Como
se me visse a nascer. Na tela da minha mente, claro. Uma memória sustentada em
narrativas, imaginada no presente deste pensamento. É a grandiosa magia da imagem
pela palavra pensada. Não apenas mais um olhar, que é sempre outro, mas com um
novo olhar. Um olhar como este neste preciso instante para as fotos do meu
parto. Imagino-as. A minha mãe na sua cama. À semelhança do ritual dos
nascimentos dos mais novos. Em casa. Com parteira aos pés do leito. Reconstituo
a mesma azáfama no quarto ao lado. Onde eu realmente era autorizada a aguardar. Seria
impensável para os meus pais fotografar estes dolorosos e maravilhosos momentos.
Como em geral nos anos sessenta em Portugal. Persisto na narrativa. Revisito as
fotos do meu batizado que se estragaram. Ou que nunca existiram por ausência de
fotógrafo de serviço. Fui o terceiro nascimento do mesmo casal. Porque não estava lá
aquela câmara fotográfica do meu pai que tanto me fascinava…?
Bem haja a generosidade do Natal. Mesmo aquele que se celebra
como um aniversário. Em cada calendário. Mas em especial aquele Natal que é o nascer profundo e permanente. Na descoberta de quem somos. O Natal mais autêntico e efetivo. Os momentos da redescoberta pela atenção ou leitura da revelação que proporcionam
instantes próprios de um Natal intemporal. Não sem um tempo, mas de um acontecer
sem premeditações. Não repetido, mas único e vivido. Um Natal pessoal e
intransmissível. Cada um com o seu no seu coração. Reconhecidamente sentido pela
sua intrépida presença.
Esta é a narrativa do Natal, consciente da sua respiração, dos
nobres gestos, temperatura macia da pele que a reveste, cumplicidade sensorial,
magnetismo generoso nos dedos, o pensamento no ecrã coletivo, o faroleiro cursor
na luz intensa do nascer para os instantes na contraluz das regeneradoras palavras.
E vermo-nos por dentro do lado de fora do espaço e sem o grilho do tempo
castigador. Vermo-nos assim, aqui, no instante presente, arrebatados pela
reflexão e pela comoção do pensamento. Sentirmos o tempo único na existência constante
de uma nova perceção, prenhes da presença que trazemos, a ideia, e sairmos da
nossa massa para nos projetarmos de um só lado, o nosso. O presente Natal em comunhão.
Em confraternização. Sem ponteiros no pensamento. Com pulsação no sentimento. O
nosso amor à compreensão do que nos liga a cada instante ao nosso pequeno mundo
dialogante e ao tempo sucessivo a que somos alheios no instante da ideação
festiva. Os minutos incontáveis do acontecer que se silenciam pelos nobres
momentos. O encontro. A vivência amorosa da temporalidade humana. A narrativa fotográfica
em diálogo com o nosso olhar em ação. O presente natalício das boas memórias
recuperadas neste presente. Somos um tecido acrescentado no tear humano de mais
um Natal de seiva fraterna vigiado por um corso de olhares serenamente reunidos em contemplação. Somos um poema dedilhado em sinfonia fértil de indagação fraterna.
Feliz Natal.
Lisboa, 15 de dezembro de 2012
Rosa
Duarte
Sem comentários:
Enviar um comentário