sábado, 15 de dezembro de 2012

entre bons amigos


A NARRATIVA DO PRESENTE NATAL


A narrativa é o melhor presente de Natal. Em qualquer ciclo da idade do homem. É a grande ciência da temporalidade humana. Que começa quando eu, por exemplo, penso no genesíaco sopro desta minha existência. Como se me visse a nascer. Na tela da minha mente, claro. Uma memória sustentada em narrativas, imaginada no presente deste pensamento. É a grandiosa magia da imagem pela palavra pensada. Não apenas mais um olhar, que é sempre outro, mas com um novo olhar. Um olhar como este neste preciso instante para as fotos do meu parto. Imagino-as. A minha mãe na sua cama. À semelhança do ritual dos nascimentos dos mais novos. Em casa. Com parteira aos pés do leito. Reconstituo a mesma azáfama no quarto ao lado. Onde eu realmente era autorizada a aguardar. Seria impensável para os meus pais fotografar estes dolorosos e maravilhosos momentos. Como em geral nos anos sessenta em Portugal. Persisto na narrativa. Revisito as fotos do meu batizado que se estragaram. Ou que nunca existiram por ausência de fotógrafo de serviço. Fui o terceiro nascimento do mesmo casal. Porque não estava lá aquela câmara fotográfica do meu pai que tanto me fascinava…?

Bem haja a generosidade do Natal. Mesmo aquele que se celebra como um aniversário. Em cada calendário. Mas em especial aquele Natal que é o nascer profundo e permanente. Na descoberta de quem somos. O Natal mais autêntico e efetivo. Os momentos da redescoberta pela atenção ou leitura da revelação que proporcionam instantes próprios de um Natal intemporal. Não sem um tempo, mas de um acontecer sem premeditações. Não repetido, mas único e vivido. Um Natal pessoal e intransmissível. Cada um com o seu no seu coração. Reconhecidamente sentido pela sua intrépida presença.

Esta é a narrativa do Natal, consciente da sua respiração, dos nobres gestos, temperatura macia da pele que a reveste, cumplicidade sensorial, magnetismo generoso nos dedos, o pensamento no ecrã coletivo, o faroleiro cursor na luz intensa do nascer para os instantes na contraluz das regeneradoras palavras. E vermo-nos por dentro do lado de fora do espaço e sem o grilho do tempo castigador. Vermo-nos assim, aqui, no instante presente, arrebatados pela reflexão e pela comoção do pensamento. Sentirmos o tempo único na existência constante de uma nova perceção, prenhes da presença que trazemos, a ideia, e sairmos da nossa massa para nos projetarmos de um só lado, o nosso. O presente Natal em comunhão. Em confraternização. Sem ponteiros no pensamento. Com pulsação no sentimento. O nosso amor à compreensão do que nos liga a cada instante ao nosso pequeno mundo dialogante e ao tempo sucessivo a que somos alheios no instante da ideação festiva. Os minutos incontáveis do acontecer que se silenciam pelos nobres momentos. O encontro. A vivência amorosa da temporalidade humana. A narrativa fotográfica em diálogo com o nosso olhar em ação. O presente natalício das boas memórias recuperadas neste presente. Somos um tecido acrescentado no tear humano de mais um Natal de seiva fraterna vigiado por um corso de olhares serenamente reunidos em contemplação. Somos um poema dedilhado em sinfonia fértil de indagação fraterna.

Feliz Natal.

                                                                           Lisboa, 15 de dezembro de 2012

                                                                                       Rosa Duarte

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