sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

o livro das quantidades dinâmicas


VOLTAR ATRÁS PARA QUÊ?

O espaço e o tempo não só afetam, como são afetados por tudo o que acontece. Diz-nos Stephen Hawking na sua Breve História do Tempo (Gradiva: 2011). E fala-nos de imensas coisas na imensidão do tema. Da teoria da relatividade sem qualquer tempo absoluto. Da ideia que já lá vai, destituída em 1915, de que o espaço e o tempo eram um palco onde os acontecimentos ocorriam, mas que não era afetado por eles. Que a curvatura espaço-tempo é afetada quando um corpo se move ou uma força atua. E também a estrutura do espaço-tempo que afeta o movimento dos corpos e o efeito das forças. Em suma, cada indivíduo tem a sua medida pessoal de tempo, que depende do local onde está e da maneira como está a mover-se.

Perante esta (nova) realidade, repensada hoje dentro de mim, sinto a medida de tempo mover-se por pensamentos ritualísticos recentes, ainda convencionados. Que continuo a querer humanizar na minha mente. Uns mais coletivos do que outros. O reencontro e a conversa familiar. A prendinha, quão modesta, para simbolizar a dádiva. Beijos, abraços e lacinhos. Um tempo cultural afetado por um espaço social. O individual e o tribal afetado pelo social. O depósito de sentimentos em escolhas que tocamos e representam a alegria da dádiva. Um tempo natalício no espaço da oferta. A inevitabilidade de cada prova única e o ritualismo que há em cada um. A festa do tradicional que deve atender a momentos afiançados de um prazer diverso de cores e de luzes, cheiros e paladares, radiações e espetáculos de intenções, os embrulhos, as formas, os brilhos, os formatos, as surpresas, as emoções, a valorização e o reconhecimento do outro. Sem olhos melindrosos em cada nuca. Que cofia e confia no olhar recolhido e no pé do próximo mais matreiro.

Afinal a conjuntura exige contenção. De palavras. De atitudes. De gratidão e de explicação. E a contenção desperta um novo tipo de preocupação pelo outro. Felizmente. De exigente moderação. Verdades mais económicas. Disfarçadas de razão. Carradas de valimentos. Uma irrupção subatómica de compaixão por aqueles que vivem do comércio das prendinhas que tanto gostamos de oferecer. Oferecer mais do que comprar, pelo que de energia e paciência o ato da compra muitas vezes reclama. Nem que seja em segunda mão. Ou num esconso olhar. Sem pejo nem preconceito. Ou em sentimentos ocultos. O indivíduo do terceiro milénio a esforçar-se por abarcar as vicissitudes do novo espaço-tempo. Um novo olhar sobre a imaginação ou sobre a falta dela. Reciclar os hábitos do passado. Uma imaginação que ora nos socorre, ora nos desequilibra. Diz-nos Irene Lisboa. Voltar atrás para quê? Os alfarrabistas nunca desatualizados. Alguns, verdadeiros museus do livro e de instrução universal. Catalogados pela sua natural familiaridade intemporal ou sustentados na liberdade espacial enigmática. Epicamente sobreviventes a muitas convulsões psicóticas politicosociais e económicas. Nesta Lisboa, a lusa capital. E não só…Para não falar das feiras do livro, umas mais emergentes que outras. Que tanto se ajeitam nas quadras presenteiras. Hinos ao enamoramento livresco. Sem censuras. Conspirativos à leitura.

A alegria absurda por excelência é a criação. Clarice Lispector, em epígrafe n’ Um Sopro de Vida, recordando-nos Nietzsche. Quem não sentiu num livro um frémito de vida criativa, esta alegria absurda por excelência que quase toca a fina melancolia, poetizada por Jorge Barbosa?

E junto à Bertrand da rua que celebra Garrett, numa das várias bancas de livros que decoram os passeios do beco, estuquei a polifonia do tempo para cumprimentar Voltar atrás para quê? de Lisboa escritora. A alma da autora adolescente despida. Mas que somos nós mais do que uma contradição permanente? (p.114)

Enfim, a grandeza infinita do momento. O tal segundo do não-tempo sagrado em que a morte se transfigura. Lispector.

                                                                                         Lisboa, 28 de dezembro de 2012

                                                                                                        Rosa Duarte
 

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