quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

o que vem de dentro




CANTAR É ORAR DUAS VEZES

Estava eu a fazer uma das minhas pesquisas, no caso em particular, sobre o canto gregoriano, os salmos, as variações nas traduções dos textos gregos e hebraicos, os graduais, as técnicas melismáticas…quando me deparei com esta singela frase de Santo Agostinho: «Cantar é orar duas vezes». Insight. Foi como se a estivesse a ler pela primeira vez. E gosto de ler. Em silêncio. Em voz alta. Mas a música aliada com arte à poesia é mais do que agradável. É sentir o travo da criação. É tocar o inefável. Deixar a forma das palavras atuar no mundo inesgotável do consentimento. É a liberdade poética exponenciada. Esta afirmação agostiniana purifica qualquer interpretação mundana e elucida sobre o efeito da música na palavra sentida e com sentido. De ligação com o mais profundo de nós mesmos. De profundis. De ligação com o fundo do abismo único da existência. Mesmo que às vezes numa vivência penitencial, mas, sobretudo, de gratidão desvelada pela vida. Com uma compreensão experimentada da dimensão imortal de cada presente temporal.

Há a palavra dita que perpassa um caráter musical inequívoco. Como certa poesia. Os salmos. As cantigas… E as melodias que sem letra nos falam da vida. O Danúbio Azul. O Lago dos Cisnes. O De Profundis. Em valsa lenta ou em contraponto. Ou um simples instrumento de sopro ou cordas na calçada inundada de sentimentos. Um acordeão. Uma gaita de beiços. Em ramblas portuguesas. A palavra não codificada em estado primordial no sopro instrumental de qualquer anónimo humano. Talvez por isso mais grandioso na sua humildade não decretada. Socialmente comovente.


                                          Lisboa, 2 de janeiro de 2013

                                                   Rosa Duarte
 
 

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