CANTAR É ORAR DUAS
VEZES
Estava eu a fazer uma das minhas pesquisas, no caso em
particular, sobre o canto gregoriano, os salmos, as variações nas traduções dos
textos gregos e hebraicos, os graduais, as técnicas melismáticas…quando me
deparei com esta singela frase de Santo Agostinho: «Cantar é orar duas vezes». Insight.
Foi como se a estivesse a ler pela primeira vez. E gosto de ler. Em silêncio. Em
voz alta. Mas a música aliada com arte à poesia é mais do que agradável. É sentir
o travo da criação. É tocar o inefável. Deixar a forma das palavras atuar no
mundo inesgotável do consentimento. É a liberdade poética exponenciada. Esta
afirmação agostiniana purifica qualquer interpretação mundana e elucida sobre o
efeito da música na palavra sentida e com sentido. De ligação com o mais
profundo de nós mesmos. De profundis. De ligação com o fundo do abismo único da
existência. Mesmo que às vezes numa vivência penitencial, mas, sobretudo, de
gratidão desvelada pela vida. Com uma compreensão experimentada da dimensão
imortal de cada presente temporal.
Há a palavra dita que perpassa um caráter musical inequívoco.
Como certa poesia. Os salmos. As cantigas… E as melodias que sem letra nos
falam da vida. O Danúbio Azul. O Lago dos Cisnes. O De Profundis. Em valsa
lenta ou em contraponto. Ou um simples instrumento de sopro ou cordas na
calçada inundada de sentimentos. Um acordeão. Uma gaita de beiços. Em ramblas portuguesas. A palavra
não codificada em estado primordial no sopro instrumental de qualquer
anónimo humano. Talvez por isso mais grandioso na sua humildade não decretada.
Socialmente comovente.
Lisboa, 2 de janeiro de 2013
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