quarta-feira, 20 de março de 2013

também argentino


É bom “ouvir” Jorge Luís Borges a historiar sobre a eternidade. No seu livro História da Eternidade. Imagem feita com substância do tempo. O arquétipo que compreende e exalta todos os outros arquétipos: a razão, a necessidade, a ordem, a desordem...

O Universo requer a eternidade. Sabe-se que a eternidade é uma invenção copiosa, não concebível, como também o é o humilde tempo sucessivo. Negar a eternidade não é menos incrível do que imaginar a sua existência.

A nossa identidade reside na nossa memória. Logo, a anulação desta faculdade implica a idiotia. José Cardoso Pires perdeu a memória, mas ao manter parte da consciência de si, sentia-se um idiota quando o tratavam como uma criança. O certo é que olhava para a escova de dentes e não se lembrava para que servia. Talvez para se pentear…

Santo Agostinho falava sobre o tempo e exemplificava: “Antes de começar, o poema está na minha antecipação; assim que o acabei, [está] na minha memória […]”. O valor da memória como um livro humano a estimar para perdurar.

Por isso, sentir a morte é sentir a ausência da eternidade. Os momentos humanos não são infinitos. Então a arte embeleza a ideia da morte pela imagem figurada, metaforizada: o sono da terra, a noite fria, a última sesta, o velho cadeirão de baloiço… O rouxinol devorador do tempo.

Nietzsche sentiu imortal o instante em que engendrou o Eterno regresso.

Antes de Nietzsche, a imortalidade pessoal era um simples equívoco de esperanças, era um projeto confuso. Nietzsche propõe-na como um dever e confere-lhe a lucidez de uma insónia.

Claro que o Eterno Retorno foi, lucidamente, apresentado como a doutrina da repetição circular provável ou possível. Mas como a imagem de uma mera possibilidade nos pode fazer estremecer e corrigir! Os erros e os castigos repetidos…

Houve quem procurasse destruir o fundamento desta tese de Nietzsche, como Georg Cantor, com a afirmação da perfeita infinidade do número de pontos no Universo.

Porém, o Eterno Retorno é um conceito não acabado em vida pelo próprio Nietzsche.

Com o Eterno Retorno, Nietzsche questiona a ordem das coisas. Indica um mundo não feito de polos opostos e inconciliáveis, mas de faces complementares de uma mesma, múltipla, mas única, realidade. Logo, bem e mal, angústia e prazer são instâncias complementares da realidade, instâncias que se alternam eternamente. Como a realidade não tem objetivo, ou finalidade (pois se tivesse já a teria alcançado), a alternância nunca finda. Ou seja, considerando-se o tempo infinito e as combinações de forças em conflito que formam cada instante finitas, em algum momento futuro tudo se repetirá infinitas vezes. Assim, vemos sempre os mesmos factos retornarem indefinidamente.

Nos textos de Nietzsche sobre a História, vemos que sua noção do Tempo não é cíclica. Há, contudo, leis naturais que se manifestam de forma coordenada e coexistencial.

 “Vou arder, mas isso não passa de um episódio. Depois continuaremos a discutir na eternidade.” Palavras de Miguel Servet, filósofo aragonês renascentista, dirigidas aos juízes ao ser condenado à fogueira por heresia.

                                                           Corroios, 20 de março de 2013

                                                                      Rosa Duarte
 

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