Viagem e passeio nas Berlengas
Naquela árvore ali
que vês numa laranjeira
há uma rola que chama
pelo companheiro atento
afastado numa árvore do outro
lado da rua.
Cinzenta clara
bico bem delineado
descansa no ninho
onde a cria já não mora.
Aninhada é acarinhada.
Dá vida à vida natural
onde a arte é simples
serenada pela luz
da alegria
de mais um dia.
Ó cerejas
duas a duas
e sempre mais
num cesto
nos cestos
do meu sonho
de criança
Ó viagem
cheia de curvas
num fundão da serra
terra plantada
de vida
no coração
da minha infância
Ó vinhas de fruta
tios e muitos primos
a conversar
a rir a gracejar
ao ritmo da grelha
dos pimentos do tomate
e da cerejinha
corada perfumada
ao colo de uma
menina...
Há luz aqui.
Dizes-me tu
apesar da noite sem luar.
Temos olhos de gatos
a brilhar no arrepio
das ondas
a adormecer a brisa
noturna fria.
Acrescentas.
E olhas-me a pensar
se este som de fado
bailado
embalado
arrastado
assobiado ali
vem de mim
ou são os tímidos
lamentos
dos rochedos
talvez o gigante
Adamastor.
Somos recortadas
clorofilinas
folhas pequenas
a esvoaçar
sopradas
embaladas
sentidas
levadas a descansar
no alto de uma colina
e um dia qualquer
caímos no chão
à vista de todos
quase silenciosos
em leves cores
na frente das ruas
tocados pelos
murais nos prédios
cubos geometrias
em olhares
deslumbrados
a envelhecer
a agradecer
o que resta
de cada vida.
Ó amarelo
companheiro
assim ainda
ágil nos carris
brilhas na Graça
e outros destinos
cheiras a viagens
e europeísmo
tens humildes origens
de longa data
cidade luz das 7
íngremes colinas
carro operário dos
madrugadores
carro turístico dos
perscrutadores
carro ecológico
dos defensores
da tradição e do
ecossistema.
...ah, claro, perder as asas
sim pode acontecer
ao crescer
acho que simplesmente
ao deixar de ver o longe.
sentamo-nos confusos
sem saber o que fazer...
com medo
dos predadores
que nos queiram
apanhar e comer...
seremos nós próprios?
coelhos brancos apressados
do outro lado do espelho
do outro lado da rua
cinzentos no olhar
fofos e bonitos
com medo
dos outros.
Já podemos conversar
livremente?
...sim voa sem medo
podemos até pousar
para descansar
e apreciar aquele canto
que vem do outro lado
do nosso entendimento
pequeninos pássaros
que somos
azuis e amarelos
peitos cheios de vida
olhar profundo e doce
unhas verdes pardas
pousadas entre o caos
e a luminosa harmonia.
Não tenhas medo.
Temos asas invisíveis no olhar
leves penas brancas jovens
sacodem a dor e a tristeza
e vão ao sabor
do perfume da brisa
do mar e da poesia
olhar-pássaro com beleza
a ver e a cumprimentar
o vento o pensamento
o enamoramento
o deslumbramento
a vida simples
agradecida
partilhada
somente.