quarta-feira, 25 de junho de 2014

crónica de opinião publicada no «Setúbal na Rede» e no «Diário da Região»

Educação
por Rosa Duarte
(Professora)
      

O Professor Martinho D’Assunção

O professor Martinho d’Assunção completaria este ano cem primaveras. Tenho pena de não o ter conhecido pessoalmente. Sei que não sou a única a ter este sentimento. Mas o neto, violista e compositor Vital d’Assunção, tem sido um bom herdeiro e continuador da sua obra. E assegurou-me que não leva a mal que eu me junte a si e aos outros que preparam, com autoridade, as atividades deste ano da comemoração do centenário do seu nascimento, distinto violista, poeta, "cantador", compositor e professor.

Professor porque tinha uma sólida formação musical e tratou de a pôr ao serviço do ensino da música, em especial da viola de fado, instrumento que dominou como ninguém, exercendo forte influência no meio fadista. Chegou a dirigir um conceituado grupo de guitarristas. Ao longo da sua vida profissional ensinou muitos instrumentistas na arte do acompanhamento musical do fado, como por exemplo o seu neto, embora sempre que possível alertasse para as sérias implicações que representava abraçar a vida da música em Portugal, à luz das adversidades que ele mesmo viveu. Não obstante as flutuações desta profissão, o neto Vital continua a trabalhar para perpetuar o legado do seu avô e para servir a causa do Fado. E faz questão de continuar a tocar com zelo e profissionalismo a viola do seu avô professor.
 
Martinho d’Assunção conheceu e acompanhou muitos fadistas desde o princípio das suas carreiras, sempre que possível aconselhando-os e ajudando-os. Para muitos deles compôs. Compôs músicas como "Fado Faia"  (com letra de Linhares Barbosa); "Bom Dia Meu Amor" (letra de Vasco de Lima Couto); "Uma História" (letra de Aníbal Nazaré); "Fado do Chiado" (letra de José Carlos Ary dos Santos); "Casinha de um Pobre" e "Fado Corridinho" (letras de Frederico de Brito), "Restos de Mouraria", para o poema com o mesmo título de Carlos Conde para o repertório de Alfredo Duarte Jr.
 
O Museu do Fado, em Lisboa, no recente dia 19 de junho, com a colaboração indispensável do Vital d’Assunção e da sua filha jornalista, organizou e realizou um encontro de homenagem a este grande vulto da música portuguesa. Recordado com afeto e admiração pelo contributo inestimável para o fado, os presentes da comunidade fadista que o conheceram, deram testemunhos inolvidáveis que honram a sua memória e reforçam o valor genuíno deste património imaterial da Humanidade. Eu estive lá e fiquei enternecida com as pequenas histórias sobre o homenageado contadas na primeira pessoa, por vários colegas, pelo professor Joel Pina, por vários fadistas como o Carlos do Carmo, que o definiu como sendo um homem muito à frente do seu tempo. O professor Martinho d’Assunção, que andou com o Carlos do Carmo ao colo, foi por este apresentado a Manuel da Fonseca, o escritor, que logo se tornaram amigos. Apesar de Martinho d’Assunção ter tocado em vários países, Carlos do Carmo fez questão de o levar ao Brasil. E contou que ao aterrarem no aeroporto Vira-Copos, o professor Martinho comentou: "Estes brasileiros são incríveis…é vira-copos, tira-dentes, bota-fogo…" Mais ou menos assim…
 
Quando alguém precisava do professor Martinho d’Assunção já sabia onde encontrá-lo: no Café Lisboa antigo, que já não existe.
 
E numa vida de quase setenta e oito anos deixou mais de duzentas obras feitas.
 
Foi um professor que teve a ousadia de introduzir no fado dos anos 70 e 80 outros instrumentos como o baixo, o contrabaixo, o baixo acústico, o violino e o piano. Foi mesmo considerado o mestre do sistema tonal. Aproveitava a técnica que tinha, enriquecida pelos vários géneros que conhecia, as chamadas "malhas", e introduzia-as no fado. Um dos temas que tocou com grande mestria foi "Um Homem na Cidade", com letra de Ary dos Santos, música de José Luís Tinoco e interpretado por Carlos do Carmo.
 
Muito ainda foi dito nesse dia comemorativo e mais é possível encontrar no Portal do Fado, no Museu do Fado, ouvir na Rádio Amália, ler por aí sobre o professor…
 
Ficamos gratos ao professor Martinho d’Assunção, mestre do fado e da música em geral, cuja sonoridade macia está gravada nos seus nobres solos e acompanhamentos, qual persistente dádiva elevada e consciente do poder da arte fadista portuguesa.


             (CD gravado com produção e acompanhamento viola de Vital d'Assunção) 

Rosa Duarte - 25-06-2014 09:15
http://www.setubalnarede.pt/content/index.php?action=articlesDetailFo&rec=21546

Sem comentários:

Enviar um comentário