sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

crónica publicada em 2014 no «Setúbal na Rede»

DIA MUNDIAL DA PAZ

Ao Som da Paz
Desde 1968 que se celebra o primeiro de janeiro como o dia mundial da Paz. Foi instituído por um papa, o Papa Paulo VI, e a sua intenção era alargar a comemoração a toda a sociedade das nações, religiosas e não religiosas. E parece que tal acontece.
A mensagem de Paz a partir da praça de São Pedro, em Roma, é habitual, mas este ano foi ouvida com particular ânimo porque o mais recente Papa, o Francisco I, no seu ainda curto papado, tem marcado a diferença na sua forma de pensar e agir. Para muitos, é já a personalidade do ano. Nesta era conturbada, um bom líder, ainda que religioso, ou porque é religioso, torna-se vital para o recobro das mais difíceis enfermidades humanas: discriminações, pobreza extrema, corrupção, perda de valores, terrorismo…
Há dias, fizeram-se alguns debates televisivos sobre o estado de guerra, o discurso de guerra e a ação de guerra em que o mundo se encontra. Recordou-se o exemplo de Nelson Mandela, até pelas exéquias fúnebres recentes. Não sei se em muitos mais eventos do Novo Ano se refletiu sobre a Paz, ou melhor, sobre a falta dela…
Assim, em cada novo ano civil, desde há quarenta e cinco anos a esta parte, é costume o Papa eleito escolher um tema específico para o seu discurso comemorativo do dia da Paz. Seria curioso consultá-los. Este ano o tema foi: Fraternidade, fundamento e caminho para a Paz. Aborda a ideia da educação para a Paz como caminho para a Fraternidade. A educação está subjacente a quase todos, ao longo destes anos. Quais têm sido os seus efeitos?
Se pensarmos sobre o conceito de educação, teoricamente definido como o processo que visa o desenvolvimento integral do homem, compreendemos que é um processo que implica não só o indivíduo, pelo seu esperado crescimento na responsabilidade e participação, mas naturalmente compromete o coletivo na sua ação.
A educação para a cidadania, parte pedagógica importante, deve encarar a temática da Paz sem mitos, sem mentiras, a favor do respeito, pela liberdade e pelo reconhecimento da ordem social regulada por leis, naturalmente com o direito à diferença.
Presentemente, a estrutura sociopolítica encara como prioritárias as atividades didáticas que determinam os resultados nos exames nacionais e nos rankings do sucesso académico. Nem que estes fossem, de facto, o garante da integração dos jovens no mundo do trabalho, não seriam bastantes para uma educação integral.
Em consciência, sabemos que o sucesso da educação só é verdadeiramente alcançado, quando é acompanhado de uma alfabetização cívica, cuja aprendizagem do bem comum é estruturante da autoconfiança e da integração social, desde os primeiros anos de existência como pessoas.
Educar para a Paz e para a Liberdade significa combinar o exercício de autoridade com uma grande disposição integradora e ética do educador, segundo normas compreendidas e aceites por qualquer grupo. Exercício esse que não pode restringir-se ao ambiente escolar, mas envolver toda a sociedade, nas inúmeras áreas sociais e políticas determinantes…
Assim, a participação escolar e social de todos os intervenientes não pode ser meramente formal. Deve ser estimulada pelos seus agentes e ter conteúdos reais para não cair na descrença e no fracasso, sabendo que, por exemplo, construir a paz não diz respeito apenas ao desarmamento e que há formas menos evidentes de violência que perpassam inúmeras situações do quotidiano, como são as agressões ecológicas, o consumismo desenfreado que atinge níveis de violência que levam “à pobreza a crédito”, as múltiplas formas de discriminação, entre outras. Só pela ação transformadora da consciência social é possível mudar a mentalidade atual condicionada pelo mundo material, tornando possível a atitude concertada de comunhão num estado livre.
A educação para a cidadania, quase preterida nos currículos escolares, ao ser secundarizada compromete a aprendizagem dos direitos e deveres, o respeito pelo património, a cultura de paz, os direitos humanos, a diversidade social, a economia, a sexualidade, a democracia…
A participação dos educadores na procura de formas negociadas de resolução de conflitos educa para a tolerância e para a compreensão das condutas sociais que são práticas não violentas de convivência. O exercício de escuta (mas não de escutas, entenda-se) favorece a comunicação e a sinceridade, bem como o respetivo treino da capacidade de expor e argumentar e, naturalmente, a capacidade de ouvir os outros e de falar de si mesmo. A disponibilidade para ouvir os alunos é importante para os ajudar a construir as diferentes dimensões da sua pessoa.
Porque não podemos ou não devemos separar a instituição-escola da vida social, a atenção crítica deve dirigir-se para as novas realidades sociais.
É característica importante do terrorismo e da manipulação a forte capacidade de gerar intensos estados emocionais, tanto de afirmação como de divisão, especialmente entre a população potencialmente sofredora ou influenciada por aquele. Com efeito, em tempos de incertezas, de mudanças rápidas, os fundamentalismos parecem oferecer um tipo de segurança que é apreciada por muitas pessoas, sobretudo as que se encontram em zonas de exclusão social, algumas em situação de extrema pobreza e falta de perspetivas de futuro. São tempos de incertezas nos quais a retórica habilidosa pode desencadear um bem-estar psicológico perigoso, quando se perdeu o bem-estar material e social.
Por isso, a palavra educar é o principal verbo de Paz, que deve ser aplicado e reaprendido as vezes que forem precisas por todos nós, alunos-educadores que todos somos, para sermos os melhores nos rankings da escola da vida, que é pública porque é verdadeiramente irrevogável.

Ao Som da Paz
Rosa Maria Duarte
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