sábado, 12 de março de 2016

A REALIDADE DAS PALAVRAS

A Realidade das Palavras 
ROSA DUARTE 


Viver é um ato de escrita. Quanto mais criativo for o nosso quotidiano, maior entusiasmo sentimos na construção de cada segmento narrativo, ao reler cada parágrafo de cada momento ou certo capítulo no recolher ao descanso de mais um pequeno ciclo de vida. A rotina também pode ser criativa quando proporciona suficiente quietação e a nossa mente é visitada pela realidade imagética e metafísica, através de um estado meditativo, rumo ao encontro com a realidade subjacente a todas as formas de existência, interpretadas pela palavra. O real escreve-se e reescreve-se na mente de qualquer sujeito cognoscente, que é o primeiro leitor da sua narrativa, com mais ou menos consciência disso, procurando conhecer o que está fora de si, mas a seu tempo também o que está dentro de si, como um todo. Este processo é a construção do real. A sua descoberta é um trabalho de contínua perceção que se conquista pela palavra pensada, sentida, imaginada, discernida, partilhada. Descobrimos e redescobrimos o mundo pela palavra. Os encantos pela palavra. Os estilos pela palavra. A beleza pela palavra. Os valores pela palavra. A verdade pela palavra. A criação pela palavra. Não necessariamente a palavra pronunciada, mas a sentida e mentalizada. Não propriamente a palavra admirada, mas a compreendida e transformada em ação. A verdade, aquela que ainda é subjetiva, pode estar próxima da realidade, dependendo do grau de discernimento, das premissas do pensamento, da capacidade de aceitar dúvidas e desenvolver reflexões. Mas qualquer verdade vive na honestidade das palavras, distintamente naquelas que trepam os muros da representação do real e vão extrair o pólen do desconhecido e do intraduzível em experiências súbitas de inspiração e de desconstrução do conceito do real comum, como nas evocações do Paulismo e Intersecionismo de Fernando Pessoa ou, de forma mais subtil e espiritualizada, nos Mantras dos Upanishads e dos Vedas. O discípulo procura aprender técnicas de concentração e de perceção elevadas. Viaja pelo seu interior. Lê cada passagem das suas vivências na tela da mente numa tentativa de se aproximar do lugar mais íntimo de si, do seu coração, até alcançar o inefável, o silêncio, que não consegue chegar pela eliminação de ruído exterior, mas unicamente pela serenidade e desapego ao poder e à vaidade, pela aceitação do outro e de si próprio. O silêncio é vaso comunicante, tem voz e induz a mente humana para conceitos como o de paz, poesia, presente, discernimento, melodia. A pausa na palavra, momento por excelência para reconhecer o silêncio, é também verbo e verdade. É espaço concedido e expansão criativa. A pausa é pauta entre o som e a ousadia. Só na pausa se recupera a ideia e a energia. Contudo, há também o hemisfério da palavra ressequida como cobiça, humilhação, corrupção, rancor, malícia. Não obstante tudo ser experiência na vida, a sinfonia das palavras em harmonia é aquela que faz da união dos seres de todas as condições e lugares o cântico uníssono da intenção diamantina. Esta é a realidade, mais intuída que investigada, das palavras, muitas sublimes, que são a mais alta expressão da criação divina. 
                                                     
                                                        In Seminário Teosófico – 14 e 15 / maio / 2011 – S.T.P. Lisboa

http://www.sociedadeteosoficadeportugal.pt/#!revista-osiris/cwi4

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