A Realidade das Palavras
ROSA DUARTE
Viver é um ato de escrita. Quanto mais
criativo for o nosso quotidiano, maior
entusiasmo sentimos na construção
de cada segmento narrativo, ao reler cada parágrafo
de cada momento ou certo capítulo no
recolher ao descanso de mais um pequeno ciclo
de vida. A rotina também pode ser criativa
quando proporciona suficiente quietação e a
nossa mente é visitada pela realidade imagética
e metafísica, através de um estado meditativo,
rumo ao encontro com a realidade subjacente
a todas as formas de existência, interpretadas
pela palavra.
O real escreve-se e reescreve-se na mente
de qualquer sujeito cognoscente, que é o
primeiro leitor da sua narrativa, com mais ou
menos consciência disso, procurando conhecer
o que está fora de si, mas a seu tempo também
o que está dentro de si, como um todo.
Este processo é a construção do real. A sua
descoberta é um trabalho de contínua perceção
que se conquista pela palavra pensada, sentida,
imaginada, discernida, partilhada.
Descobrimos e redescobrimos o mundo
pela palavra. Os encantos pela palavra. Os
estilos pela palavra. A beleza pela palavra. Os
valores pela palavra. A verdade pela palavra. A
criação pela palavra. Não necessariamente a palavra
pronunciada, mas a sentida e mentalizada.
Não propriamente a palavra admirada, mas a
compreendida e transformada em ação.
A verdade, aquela que ainda é subjetiva,
pode estar próxima da realidade, dependendo
do grau de discernimento, das premissas do
pensamento, da capacidade de aceitar dúvidas
e desenvolver reflexões.
Mas qualquer verdade vive na honestidade
das palavras, distintamente naquelas que trepam
os muros da representação do real e vão extrair
o pólen do desconhecido e do intraduzível em
experiências súbitas de inspiração e de desconstrução
do conceito do real comum, como nas
evocações do Paulismo e Intersecionismo de
Fernando Pessoa ou, de forma mais subtil e
espiritualizada, nos Mantras dos Upanishads e
dos Vedas.
O discípulo procura aprender técnicas
de concentração e de perceção elevadas. Viaja
pelo seu interior. Lê cada passagem das suas
vivências na tela da mente numa tentativa de
se aproximar do lugar mais íntimo de si, do seu
coração, até alcançar o inefável, o silêncio, que
não consegue chegar pela eliminação de ruído
exterior, mas unicamente pela serenidade e
desapego ao poder e à vaidade, pela aceitação
do outro e de si próprio.
O silêncio é vaso comunicante, tem voz
e induz a mente humana para conceitos como
o de paz, poesia, presente, discernimento,
melodia. A pausa na palavra, momento por
excelência para reconhecer o silêncio, é também
verbo e verdade. É espaço concedido e
expansão criativa. A pausa é pauta entre o som
e a ousadia. Só na pausa se recupera a ideia e a energia. Contudo, há também o hemisfério da
palavra ressequida como cobiça, humilhação,
corrupção, rancor, malícia.
Não obstante tudo ser experiência na
vida, a sinfonia das palavras em harmonia
é aquela que faz da união dos seres de todas
as condições e lugares o cântico uníssono da
intenção diamantina.
Esta é a realidade, mais intuída que investigada,
das palavras, muitas sublimes, que são a
mais alta expressão da criação divina.
http://www.sociedadeteosoficadeportugal.pt/#!revista-osiris/cwi4
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