segunda-feira, 10 de setembro de 2012

tributo a José Régio


tributo a José Régio

 

RECEITA PARA O TEU PENSAMENTO




"Vem pensar como nós" — dizem-me a cada hora alguns com os olhos maquilhados
Procurando sinceras ideias e abraços, seguros
De que o meu silêncio é consentimento
Quando me determinam: "Aponta aí a receita para o teu pensamento!"
Eu observo-os com um sentimento desapegado,
(Há, nos meus gestos, avisos e cansaços)
E semicerro os olhos,
E não me deixo arrastar pela tristeza pseudoconsentida...
Porque a minha glória é esta:
Criar novas claridades! Dar voz e
Não fomentar vaidades.
— Que eu vivo com a mesma força de vontade
Com que acariciei o ventre ao teu sacramento
Não, não estou aqui à toa! Só vou por onde
Me levam sentimentos belos e brandos.
Se quando busco saber a verdade, nenhum de vocês responde
Porque insistem: "temos a receita para o teu pensamento"?


Prefiro afastar-me de sonhos coloridos ardilosos,
Redefinir as minhas prioridades, cautelosas passadas,
Por vezes sentidas como socalcos, e aceitar o desenho dos meus saltos rasos,
A deixar-me levar por requintadas matreirices...quase infantis…
Porque amo o mundo, e
Para desflorar a árvore do saber
Orgulhar-me das minhas danças na areia infindável!
O que mais faço, vale, porque nado no mar sereno do tempo.


Como, pois, querem vocês
Dar dicas, impulsos, oferecer cânones e correções
Para eu conquistar os meus adversários?...
Corre nas minhas veias sangue de antigos sobreviventes,
Que amaram o invisível e profundo!
Vocês amam o Perto e a Miragem,
Os oásis, os paraísos, os prados verdejantes já resgatados...


Ide! Tendes lengalengas, tendes audiências,
Tendes jarras, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes guetos,
E tendes regras, e ripanços, e filósofos, e contrabando...
Eu tenho a minha verdade!
Levanto-a, como um facho a arder à mente desconhecida,
E sinto espuma, e sangue, e canto nos lábios...
O Bom e o bonito é o que desejo, e pouco mais!
Vocês julgam-se acompanhados, e ainda bem;
Mas eu, que não me queixo e que quero pouco,
Vejo o amor sufocado em achas adormecidas.


Ah, que ninguém me acene com piedosas intenções,
Ninguém me venda mansas compaixões!
Ninguém me diga: "é este agora o teu pensamento!”
A minha vida é um dia de sol que me acordou,
É uma onda em arco que me recobrou,
É um átomo em construção que me anima...
Ainda não percebi para onde vamos,
Ainda não sei o que vocês querem, ao certo
Mas tento respeitar, e esquecer, e continuar a navegar a bordo de mim mesma.




7 de setembro de 2012

 

Quinta do Rouxinol

 

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