quarta-feira, 5 de março de 2014

publicada no «Setúbal na Rede» e no «Diário da Região»

Educação
por Rosa Duarte
(Professora)



Escolhas hospitaleiras

Quem não gostaria de ter pelo menos uma oportunidade para desabafar o que pensa nos meios de comunicação social sobre o quotidiano do cidadão comum e discorrer sobre as boas ou más razões dessa situação, que se entrecruzam, porém se distinguem, ou mesmo sobre as não razões e outros ratios…

A verdade é que quando me preparo para escrever, sinto quase sempre o impulso para falar do mesmo: a educação dos jovens. É mais que natural porque têm sido a minha ocupação diária há uns anitos a esta parte. Mas custa-me ver, aos outros educadores e a mim própria, a prepará-los com tanto afinco para darem o seu melhor numa determinada área especializada e, depois, pressenti-los seguir o caminho arriscado da frustração. A luta diária é a instrução, a autodisciplina, a responsabilização, a dedicação, a observação atenta, os valores, a criatividade, os sonhos individuais…
 
E a frustração? Como se preparam atualmente os jovens para o elevado índice de frustração, se nós mesmos os ensinamos a persistir nos seus sonhos?
 
Alguns adultos tentam ajudá-los testemunhando a experiência de frustração como potencial processo de transição. Outros falando da inevitabilidade da frustração permanente, ainda que com focos móveis… Nem todos os jovens se sentem perdidos e alguns até sabem o que querem da vida. Basta decidirem trabalhar ou querer continuar a estudar, são objetivos determinantes. Poder decidir é um direito nem sempre possível. Em quê ou em o quê é que implica maior definição da vontade própria. Porque isto de perceber a vocação individual é na realidade um trabalho de grupo que nem todos sabemos, podemos ou arriscamos fazer. Já para não falar da natureza dinâmica, evolutiva e versátil da ideia de vocação…nem sempre tão aprazível quanto aparenta.
 
Na última concentração de bolseiros a 21 de janeiro junto à Fundação para a Ciência e Tecnologia, em Lisboa, foi doloroso ver tantos rostos desanimados com a difícil situação. Eu sei que há meia dúzia de empregos, uns mais precários que outros, cá em Portugal, que alguns são sacrifícios por que muitos já passámos. E quantas vezes são necessários sacrifícios para crescer profissionalmente. Mas o problema agora é que as expetativas são elevadas para um tempo a prazo ilimitado que não oferece horizontes: não se avistam alternativas ao trabalho pro-precário. Os números oficiais do desemprego explicam muito pouco. É pouco provável que a tal oportunidade profissional seja para todos, especialmente com o apoio do país, sobretudo em certas áreas do saber e do fazer. A retoma económica de que se fala é da reausteridade? Vivíamos todos tão bem que é impensável recuperar essa vida de utopia.
 
Portugal é feito pelos e para os portugueses. E não só… 42 jovens estudantes sírios recebidos na madrugada de um de março em Lisboa é comovente. Mas as disparidades num país em desenvolvimento continuam ao abrigo das novas leis da austeridade e acentuam-se. Calibrar aspirações é ainda uma tarefa de diversão. Há quem diga que é inglória. Penso que passa por priorizar a necessidade do bem comum. Quando um dia o dinheiro milionário não se confundir com o bem-estar e a realização pessoal, talvez seja possível.
 
Não há que fantasiar o percurso profissional aos mais novos. Nem tão pouco destruir os seus projetos. Ensiná-los a calcorrear para encontrar, talvez seja o lema atual. Se lhes andamos a meter na cabeça toda uma esperança vocacional e especializada, é preciso que o país não descure o essencial da sua nação: o futuro. Ou então emigraremos todos um dia para o país da aposentação não remunerada.
 
Os programas de reajustamento menos valorizados da atualidade são a honestidade, a boa gestão de recursos, o diálogo, o sentido do outro…
 
E com isto pouco tempo nos sobra para pensar nos afortunados cidadãos empregados. Sobretudo nos felizardos que trabalham por vocação. O que é que lhes poderá faltar? Só se for aumento no ordenado, o vil metal? …
 
As condições de trabalho são vitais para o sucesso social. E o sucesso de um é o sucesso de todos. Se houver sentido de préstimo, respeito mútuo, toda a comunidade beneficia. É sempre desejável encontrar boas condições na primeira fase da vida, na vida escolar, porque é o caminho mais seguro para conquistar uma sociedade sã e escorreita. Com sentido crítico e apreço pelo espaço individual.
 
As condições de trabalho, na sua dimensão física e logística, são cruciais. Mas a estima mútua é estruturante. Quantas escolas pequenas são verdadeiramente grandes hospitaleiras?
 
Embora pareça de somenos relevância o ambiente humano no trabalho, e que muitos profissionais de boa supervisão procuram gerir de forma exímia e subtil, são-no da responsabilidade de todos, pois é exigível o espírito de equipa no quotidiano de qualquer cidadão. Os mais respeitados devem ser os mais responsabilizados por isso. Devem «hospedar» todos e manter em harmonia o desafio saudável das diversas tarefas diárias conducentes ao sucesso e ao bem-estar dos pequenos e dos grandes grupos. Com séria lealdade e companheirismo.
 
Há escolas assim. 
 


Rosa Duarte - 05-03-2014 09:14

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