sexta-feira, 23 de outubro de 2015

crónica de opinião publicada no «Diário da Região» e no «Setúbal na Rede»



A Minha Região
Rosa Maria Duarte
Óleo s/tela
73x54

O homem deve ser superado

Testar os limites humanos é uma constante diária na vida de cada um. Arriscar para sobreviver e ganhar. A perícia está em saber calcular cada avanço para o cenário seguinte. E dosear o risco é a dúvida que persiste e sustenta a adrenalina. Um pé atrás do outro. Sai um em falso e o outro tem que ser um super-pé ou então sujeita-se…

Um percurso de vida experiente é uma mais-valia. Mas o tempo também cristaliza regras e faz esquecer o valor das exceções, que muitas vezes são a chave do desconhecido.

Abrir a porta do inédito é um ato heroico. E ser-se apanhado desprevenido pela dor pode significar o preço elevado de abdicar da velha e empoeirada forma de se ser homem conformado e domesticado para alcançar uma nova força dentro de si próprio. “O homem é uma corda, atada entre o animal e o super-homem – uma corda sobre o abismo” (Nietzsche, Assim Falou Zaratustra, p. 13).

Dos fracos não reza a história. Homem morto, homem posto. O mundo continua a avançar a cada passo pelas pernas de cada indivíduo que passa. E as baixas humanas fazem parte dos ciclos da história da humanidade. O que tem que ser feito, tem muita força.

Quase sempre os caminhos são abertos pelos passos mais jovens que não se detêm nos riscos, mas que dão a própria vida pela conquista e pela descoberta.

Contudo, a consciência do risco e das consequências não diminui a grandeza dos atos. Pelo contrário. O filósofo e o artista sabem-no. “Eu vos digo: é preciso ter ainda o caos dentro de si, para poder dar à luz uma estrela dançante. Eu vos digo: tendes ainda o caos dentro de vós” (Nietzsche, Idem, p. 18).

Os pensadores e os artistas são potenciais mentores do futuro da humanidade.

E cada professor é um Zaratustra à procura da estrela em cada um dos seus pupilos. Se não fosse a profissão de professor ser mais a arte da paciência do que a da sabedoria («vira-te prá frente e está calado»), provavelmente já o ser humano, escravo do seu tempo, estaria mais próximo de um estádio de vida não circunscrito unicamente à sua própria preservação.

É que para o humano ir para além de si mesmo precisa de ultrapassar as ideias asfixiantes e os conceitos que o aprisionam. O que pode o homem fazer atualmente por si? Claro que muito… Mas chegará o dia em que o melhor será ultrapassar-se, de tão cansado que estará da massificação. Então haverá mais espaço para o ato criativo. E a diferença será uma força acrescida.

 Mas o muito a fazer é mesmo muito.

«Dead woman can’t vote» foram palavras de ordem que se ouviram e leram há dias via comunicação social num protesto contra os casos de violência doméstica, a propósito do filme «Suffragette» no Festival de Cinema de Londres. É uma prova de que é ainda tempo de lutar pela preservação da dignidade individual neste século XXI na velha Europa, em que há quem ignore a urgência da condição existencial condigna.

 “Grande, no homem, é ele ser uma ponte e não um objetivo: o que pode ser amado, no homem, é ser ele uma passagem e um declínio” (Nietzsche, Idem, p. 13).

Parabéns aos “construtores de pessoas” por mais uma comemoração do Dia Mundial do Professor (o recente feriado caído do 5 de outubro).
                                                                                                     Rosa Maria Duarte
                                                          «Diário da Região» de 22 de outubro de 2015

 

Sem comentários:

Enviar um comentário