Educação por Rosa Duarte (Professora) Na aula não se canta |
Há dias fui ao lançamento do livro da minha colega Graça Santos na Escola Secundária Romeu Correia. Aproveitei para rever com entusiasmo rostos amigáveis do meu já razoável percurso profissional. E pensei: como é bom olhar a escola para além do sentimento das obrigações diárias.
A escola como um lugar de encontros e intercâmbios. E a vestimenta desta, que é um edifício recente redimensionado segundo uma disposição modernizada, protege um corpo-escola com graciosas linhas de aprendizagem, umas mais desenhadas que outras, ora padronizadas, ora ousadas e muitas naturalmente tão espontâneas que o lado pedagógico é pensado só a posteriori. É a ideia genuína de escola, como qualquer lugar com gente que interage, com mais ou menos cadeiras. E quantas aprendizagens não chegamos, nós professores e alunos, a reconhecê-las e rentabilizá-las devidamente!, venham elas a ser boas ou más experiências, que marcam indelevelmente cada interveniente. Ora a vida é sempre matéria escolar. E os diplomas mais autênticos são os sucessos e os fracassos vividos. Onde quer que se aprenda, é um lugar-escola. A nossa casa é a primeira escola. O lar-escola. A última, logo se verá. Talvez a universidade sénior…
Na Escola Secundária Moinho de Maré, a ex-Celeiro, por exemplo, encerrada há cerca de sete anos, viveram-se compromissos intensos de projetos com séria ação comunitária. Um deles foi o jornal escolar "O Celeiro", que lancei com especial colaboração de dois empenhados colegas. Para o lançamento, convidámos o escritor e jornalista Baptista-Bastos, que entretanto já algumas vezes mostrou ser acérrimo apoiante da causa educativa. Aproveito para lhe enviar daqui uma especial saudação académica.
Na referida sessão de apresentação do livro “A Ausência, a Morte e a Ternura”, a segunda parte do encontro incluiu fado: fui desafiada a cantar à capela. Cantar num restaurante? Why not? O silêncio para ouvir fado é sempre que o homem quiser. Vai daí que, ao saudar formalmente os meus ilustres colegas e familiares, em especial a autora do livro, decidi partilhar com eles algumas ideias prévias, óbvias como quase todas o são. Conquanto algumas válidas… Como esta, julgo, de que somos um país de poetas e músicos, mas que nem sempre sabemos acarinhá-los e revigorá-los. “És um lírico!” é uma expressão que eu própria já a disse… Ou “Não sabes que na aula não se canta?!” ou “À mesa não se escreve”. O que será que nos ocorre quando alguém simplesmente se põe a cantar pela rua fora?
E ser fadista ainda não está fora das atividades de risco promarginal. Com o estigma de artistas, como convém. Às vezes com orgulho, quando pertencer à norma não é o mais razoável… Os artistas podem ser admirados e, até certo ponto, amados, mas nunca o são incondicionalmente. É certo que hoje em dia os financeiros não estão mais bem cotados.
Afinal, um ser introspetivo e criativo pode não ser um livro aberto, mas falar também não o garante de uma atitude inteligente e honesta. O cientista, por exemplo, que é respeitado, porque é por princípio rigoroso até à exaustão, é-o desde que não solicite uma bolsa de investigação…
Afinal, nesta assumida era das telecomunicações, em que se abusa, obviamente, da comunicação à distância, há jovens que já vão pensando melhor, com mais seriedade e rigor, como no valor da privacidade e da segurança pública, assim a sociedade lhes proporcione condições para darem o seu melhor.
Em abono da verdade, ainda há quem pense que a arte é exclusiva dos excêntricos. Os mesmos críticos que, ao fim de um dia de trabalho, não dispensam um fadinho na rádio Amália, ou um filme sentados no sofá, ou um livro de um autor conhecido…
Porque os professores, que a bem dizer somos todos, bem precisam diariamente de recobrar forças nos motivos de alento para conseguir enfrentar as adversidades, como por exemplo os dissabores causados por doença e perdas de companheiros de trabalho, vítimas dos malefícios do amianto existente nas velhas construções, que tanto tem assolado esta e outras classes profissionais!
Todos sabemos que às vezes as regras na educação ofuscam, quando não matam, a liberdade criativa e opinativa de cada um. O coletivo é responsável pelo indivíduo, e o contrário também é verdade. Por isso, cantar deve fazer parte de uma opção de trabalho, ainda que individual. A grande aliada da poesia estudada. Um workshop ao fim do dia, por exemplo…
O ato educativo é, pois, muitas vezes um ato criativo de compreensão, de introspeção e de cooperação. E os professores são, com orgulho, uma família de artistas, felizmente cada um à sua maneira. Eu à minha.
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Rosa Duarte - 02-04-2014 09:10 |
quarta-feira, 2 de abril de 2014
crónica publicada no «Setúbal na Rede» e no «Diário da Região»
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