quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

crónica de opinião publicada no Setúbal na Rede e no Diário da Região

Educação
por Rosa Duarte
(Professora)
      
http://www.setubalnarede.pt/content/index.php?action=articlesDetailFo&rec=22385

Como equacionar a massa na energia das palavras?

 
Cada palavra é uma fonte potente de energia que contém uma dada massa associada.

No admirável mundo velho, os verbos são venerados diariamente em prol da nova matéria da bolsa de valores. Somos legatários materialistas com ideias, ideais e sentimentos à procura sem cessar de os materializar e fazer render a indústria verbosa manufaturada dos atos e moedas, qual desfile lexical a anunciar presentes festivos para os sentidos, nem sempre humanizados. É uma imparável fabricação consumista a que não se livram as melhores frases, com todas as intenções soletradas e revisitadas nas calhas da hipoteca mediática, para deleite dos olhares mercantis, de mão e de ouvido em riste.
 
Desfruta-se energicamente do efeito material da palavra para fins diversos. Um empreendedorismo verbal concorrencial que pode ser desleal. Os mais líricos, que em teoria são menos materialistas, não resistem ao "voyeurismo" incansável do significante no engenho laboratorial da escrita. Eis que senão o sopro vital da leitura é o messias, o príncipe encantado do novo texto.
 
Quantas não são as experimentações verbais explosivas noticiosas nos peculatos perpetrados, nas ameaças orçamentais, nas manipulações preventivas?!
 
A liberdade de expressão nasce como prontuário de excelência da democracia. É a educação que responsabiliza a equação científica da palavra. Que é uma energia estandártica, iluminada ou escurecida pela massa. Porque as palavras lucrativas nem sempre servem o bem comum. São os jogos organizados que muitas vezes esvaziam de sentido a expressão lutadoramente livre. São roletas de olhares compartimentados que baralham a realidade dos factos. O absolutamente real que é o só real…
 
Mas sem massa ao toque, as palavras invisíveis não são de inferior quilate. Palavras ditas, reafirmadas ou retiradas e, quantas vezes, esquecidas, que são muitas vezes as bíblicas traduções dos reformistas para a posterioridade. Como os discursos dos grandes guias que nada quiseram ou souberam escrever. Uma posterioridade que tende a inventiva. Se calhar por isso: o universo inteiro como uma metáfora viva em permanente metamorfose. A história e as estórias que deixam saudade readaptam-se à memória das novas ortografias no futuro do presente.
 
Revitalizar a energia das palavras atordoadas, eis a palavra de ordem na memória dignificante do tempo. E estas e outras notícias correm e não morrem nos tabloides. Agarram-se às narrativas individuais e coletivas do quotidiano. E fazem-se manchetes nos iPads.
 
O grande desafio da acessibilidade telecomunicativa ao progresso global. Namoro da globalização desconcertada pela tradição. Categorizações rangendo nas consciências.
Herança amiga do idioma, (i)material património da humanidade.
 
Matura, a herança eleva-se a dar sentido a todas as folhas em branco dos livros intercontinentais. Grita por respeito nas praças das nações. Dialoga com as imagens e sátiras dos críticos. Invade as agências e adormece no colo dos ascetas.
 
Palavras que se educam pelo ensino do pensamento. A aplaudir o berço grego no alfabeto latino. A reconhecer a coragem mítica de Atenas. A acordar o amor aos outros continentes. A esculpir na massa a literatura universal. A fermentar proativas a ética e a estética. A condenar os mal tratadores dos idosos. A desrespeitar a repressão e os preconceitos. A castigar os boicotes na imprensa escolar, local e nacional. A dialogar com as ideologias e todas as crenças. A partilhar a tristeza do sorriso e a alegria numa lágrima.
 
Vasta de palavras, ficamos sem elas. Apenas as palavras silêncio e comoção.
 
Num fardo de poalha de versos voláteis. Fados escritos de ais. Letras em lentes de cientistas e xailes de fadistas. Palavras surfadas Aquém e Além-Mar. Oxalá.


Rosa Duarte - 04-02-2015 09:13
 

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