Não vás
- Não vás –
suplicas-me, moribunda, minha terra onde eu nasci.
Tenho pena de te
deixar, minha casa, berço da minha meninice.
Eu te amo, país, mas ainda
não quero sucumbir. Vê:
sou humano.
sou humano.
Tenho algo mais, vontade
para viver. Mais um dia. Um mês.
Um ano.
Um ano.
Sou um nada e mais do
que eu. Sou uns pequenos que
adormeço.
adormeço.
Sou uma mulher que protejo.
Sou um corpo que de vez a vez
alimento.
alimento.
Sou um ser que chorou
para viver. Para aprender. Para
(re)construir.
(re)construir.
Para sofrer, sim, mas
querer caminhar, procurar e encontrar
algo mais
algo mais
Que a dor, a guerra,
a raiva, o ódio, a tortura, a vergonha,
a morte.
a morte.
- Não vás. –
suplicas-me, agonizante, minha terra onde
eu nasci.
eu nasci.
Sinto grande dor de
te deixar, meu lar, lugar da minha
meninice.
meninice.
Porque eu te amo,
país. Um dia talvez regresse. Corpo
não morto.
não morto.
Prisioneiro não de
guerra, marcado pelo desconhecido.
Num porto
Num porto
Distante de ti, desviado
de nós, reduto mais perto da vida,
do torto
do torto
Entendimento destas
dolorosas despedidas, engolidas,
emudecidas
emudecidas
Nos olhares de tantos
como eu, encurralados nas ondas
invencidas
invencidas
Pelo incerto destino
que nos acena, sonho turbulento da
partida.
partida.
- Volta um dia. –
compreendes, a desfalecer, serás sempre a
terra minha
terra minha
Berço de meninice,
doce lar da inocência, velha terra falecida
onde nasci.
onde nasci.
Criança-menino-homem
sem hoje e à espera do amanhã. Filho,
teu amigo
teu amigo
E de qualquer lugar
com vida, ar, água, terra e ferida. Arco-íris
de mansinho
de mansinho
Chuvas fartas, sol
bojador, ventos navegadores, alvas nuvens
carneirinhas.
carneirinhas.
Mas, ai, qu’adormeço
no desespero, vagas espumosas maiores
que a vida.
que a vida.
Onde estão os filhos
que não encontro? A mulher lívida que mal
avisto?
avisto?
Onde estou que não me
ouço? Não me sinto. Choro. Acho que
me perdi.
me perdi.
Rosa Maria Duarte
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