Querida mãezinha
Olá.
Não sei se já vos falei da minha mãe. Eu adoro-a. Assim como
adoro o meu pai, embora já não lhe possa tocar…
A vida de casal dos meus pais não foi fácil, até pelo facto
de terem tido seis filhos para criar: quatro rapazes e duas raparigas.
Muitas vezes me chamaram menina do papá, mas eu
sempre gostei dos dois com a mesma intensidade (contrariando o famoso complexo de Édipo…)
Sou mulher e identifico-me com as preocupações que a minha
mãe tinha e tem (embora já com 82 dois anos), com a vida, com os filhos, os
netos…
A minha mãe foi uma mulher típica portuguesa, de muito trabalho
a vida toda. Nasceu no campo, numa aldeia junto à serra da Estrela, mas veio muito
cedo com os pais e as irmãs para Lisboa, com oito anos.
A minha mãe foi a terceira filha do casal. Tiveram quatro
raparigas. Não foi apaparicada, como foi a mais nova, nem tinha os privilégios
das mais velhas. A segunda foi mais de cinquenta anos madre superior na
Congregação de Luiza Andaluz, de Fátima.
A minha mãe foi costureira durante muitos anos e num dos
alfaiates onde trabalhou conheceu o meu pai. Começaram a namorar. Entretanto o
meu pai teve uma proposta para ir trabalhar na Marinha Mercante, a ganhar
melhor. Casou-se primeiro e logo depois fez-se ao mar.
Nós, os filhos mais velhos, temos muitas lembranças de quando
o meu pai regressava de viagem, cheio de surpresas.
Por isso a nossa vida não foi fácil. A minha mãe passava
muitas temporadas sem o meu pai. Era doméstica, para poder tratar dos seis
filhos, mas ainda fazia calças para o alfaiate do senhor Alexandre, que
entregava semanalmente (quantas vezes lhe cortámos as peças de tecido porque
queríamos imitá-la a trabalhar – grandes dores de cabeça!).
Como o meu pai era embarcadiço, achava que não devia permitir
que a minha mãe saísse à rua livremente. Os disparates da altura! O que lhe
valia era a mãe, a minha avó serrana, e a sua irmã mais velha, a minha tia
Maria. A minha querida tia Conceição não podia, pois passava muito tempo
enclausurada no convento. A minha tia Isabel, a mais nova, ainda tinha um
marido mais conservador!
De tal modo que a minha mãe, uma mulher muito bonita, elegante, de
olhos azuis como a minha avó, começou a perder o hábito de sair. Só para ir à
missa. Vá lá que aos fins de semana, o meu pai gostava sempre de fazer passeios
domingueiros de família e piqueniques. Muitos fizemos na Tapada de Ajuda, mesmo
depois de já ter os meus dois rapazes.
Anos mais tarde, quando ateimavam com ela, a minha mãe lá saía.
Mas tudo o que fugisse da rotina e das programações atempadas, a minha mãe
recusava cada vez mais. O meu pai, que antes não a queria deixar sair, depois
queria-a fora de casa e via-se aflito para conseguir.
Entretanto o meu pai faleceu. A minha mãe entristeceu. Mas
ainda é uma velhinha muito bonita e com muita força espiritual. Todos os
familiares e amigos gostam dela. Ainda é a estoica que sempre foi. Aguentou-se
ao, por vezes, difícil feitio do meu pai, às exigências dos filhos, aos
pequenos desgostos da vida. Só ela é que saberá avaliar isso…
Hoje quer apenas descansar. Será que a deixam como merece? Mas gosta muito de boa companhia!
Por tanto amor que lhe temos que a sacrificamos com as
habituais teimosias, como a história das saídas. Mas é importante sair um
pouco, apanhar ar…
Ainda que tenhamos que compreender que não deve ser fácil ter
oitenta e dois anos, com o cansaço da idade e da vida, e tudo...
Eu acho que ela precisa, no mínimo, que lhe seja dado um tempo
para se mentalizar quando há programas familiares que tanto ansiamos partilhar
com ela. Temos que ter paciência e avisá-la uns dias antes. E que não seja para
muito longe (mesmo que as viagens nem sejam muito cansativas; se forem, que não
pareçam que sejam…). E já tinha que ser assim no tempo do meu pai.
É assim: às vezes a força do amor esquece-se de um valor tão
ou mais importante: o respeito pela condição do outro.
É a velha pergunta: porque é que as pessoas que se amam nem
sempre se compreendem melhor?
Somos sempre alunos da vida, a vida toda.
Acho que é a matéria mais difícil e a que demoramos mais
tempo a aprender na prática do dia a dia.
Gostamos muito de ti, mãe.
Uma senhora sempre muito simpática e de agradável convívio, com olho azul ternurento e sorriso lindo! Muitos beijinhos meus para ela.
ResponderEliminarObrigado, Lourdes. A minha mãe também gosta muito de vocês. Ainda fala dos nossos animados convívios na Tapada de Ajuda...
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