sábado, 30 de dezembro de 2017

Há muita loiça para lavar...

Vês?
Cada lava-loiça vai abocanhando vários pratos, talheres a dobrar que se vão aliviando da mesa.
O dia de Natal já lá vai, mas a gente não se cansa de agraciar um bebé de fraternidade que nasceu da razão de mais convivência do que o habitual.
As compras repetidas cansaram. Mas o fogão avivou as casas. E as visitas coloriram os ambientes.
Ainda agora, estão todos sentados à mesma mesa. Mastigam e conversam. Ainda se sabe conversar. Os laços humanos não se romperam pelas rotinas de distâncias e dispersão.
- A comida está muito saborosa! - alguém diz.
O elogio é bom companheiro da alegria. E é com entusiasmo que as portas dos prédios, das casas se abrem. Todos se esforçam.
Uma vela natalícia aquece e oferece uma chama de cor bailarina e perfumada.
E, se calhar, pensamos: que o Deus menino ofereça um lar de amor a cada um de nós.
Ainda queremos aproveitar alguns programas da televisão para catalisar a conversa. É que há tanto a acontecer lá fora!
E aqui? O que é que está a acontecer dentro do meu peito, dentro da minha mente? Dos teus?
Somos personagens-narradores não omniscientes da nossa história.
Vivemos cada momento a olhar para os outros, para a casa, a mesa, o prato, as imagens que nos chegam de tantos lugares do mundo... E o mundo do nosso interior? Qual será o meu aspeto?
Quando estou a falar contigo, podes olhar. Não sei o que pensas... Estás concentrado/a no que eu estou a tentar dizer-te? As minhas mãos costumam fazer o quê?
Eu acho que não mexo na comida quando falo...
Há qualquer coisa de indizível, de dentro de nós, que confirma, ou deixa menos claro, o que a nossa voz está a articular com som.
Então, o que fala de dentro de nós sem forma definida, sem cor, que não é palpável?
É fascinante o universo humano. De qualquer pessoa. Não é só o meu, ou o teu. É o de todos. O universo do ser vivo, em geral.
O desconhecido gera receio. O que significa que ainda há muito caminho para percorrer. E a ciência tem dado um contributo inolvidável. E não só...
Como viver a religião? É um assunto que faz pensar. Se quisermos, claro. E repensar...
Olha:
A tua voz tem algo de profundo. Que as palavras trazem consigo.
O teu olhar habitualmente cintila com os matizes dos teus sentimentos que vais vivenciando.
As tuas mãos exprimem a tua vontade. Ou a ausência dela.
A tua expressão tem uma luz de questionamento e de bondade, que deves conhecer.
O silêncio entre nós, amigos, é de palavras ditas e muito também das palavras sentidas. 
Há um silêncio nesta conversa que alimenta.
Está boa a refeição. E os talheres continuam discretamente a receber gestos de avidez. 



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