terça-feira, 8 de maio de 2018

A Casa do Mariquinhas


 Numas águas-furtadas de Lisboa, a rapariga do Mariquinhas esperava-o. Quem era o Mariquinhas?
 O Mariquinhas era o inquilino mais bem vestido do velho prédio, com sapatos de verniz, unhas de guitarrista e sempre vestido de negro luzidio. A sua cadeira era esta.
 A Mariquinhas, uma moça séria do povo, estava vestida e aprontada para a sua chegada. Ele nunca se atrasava.
 A sua casinha era muito modesta, mas tinha um brilho inconfundível. A esta hora já toda a vizinhança estava à janela. O que quereriam?
 O Mariquinhas beijou sua companheira, despiu o casaco para se sentar na sua cadeira...
 A guitarra portuguesa também estava à sua espera. Não a queria pendurada. Achava-a mais segura e acomodada deitada no chão. Ninguém podia aproximar-se dela. Para além deles, também só havia uma gatinha amarela muito fofinha e obediente.
A Mariquinhas resolveu calçar os seus sapatos vermelhos. Dizia que cantava melhor com eles.
 Não é que se sentia confortável com eles? A vizinhança já a ouvir a sapatear...era bom sinal.
 Naquele dia, o Mariquinhas foi para a janela dedilhar a guitarra. O que seria que ela iria cantar?
 A Mariquinhas fez o sinal da cruz antes de cantar. Agradecia a Deus a voz que tinha, de olhos fechados.
 Foi então que se começou a ouvir um trinado bem gemido: era o fado Vianinha.
 A Mariquinhas olhava absortamente o seu quadro de camélias, enquanto sentia a sua alma na letra que tinha aprendido há pouco...
 «Canto o fado porque gosto/Deus me deu este condão...». E ao cantar, o seu corpo ia lentamente balouçando-se pela saleta, junto à janelinha...
Puxaram a cadeira e à vista de todos, os dois fizeram a maravilha da sua gente que também estava à janela e outros parados na calçada. Ouviram-se muitas palmas. "Ah fadista!" "Ah, boca linda!". O casal agradeceu e recolheu a casa, felizes.
A casa dos Mariquinhas
Rosa Maria Duarte
Óleo s/tela
55x46

Sem comentários:

Enviar um comentário