Desculpem-me aqueles que não guardam as melhores recordações do meu pai. Eu sei que o meu pai era um bom bocado irascível, às vezes insensível (eu não tenho razões de queixa, bem pelo contrário...).
Podia ter sido um pai mais atual, mais próximo da juventude, (mas também andou grande parte da sua vida no mar), mais amigo da minha mãe, mas foi uma referência para mim no seu bom trato com muitos familiares, amigos, vizinhos, colegas, conhecidos... Muito prestável, bom conversador, muito amante da natureza, bastante informado.
Passávamos grandes tardes de domingo a conviver em piqueniques. Ele gostava muito dos netinhos. Contava-lhes histórias de crocodilos, de índios, levava-os de mão dada a fazer explorações pelo campo.
Quando eu era pequenina, escondia-me atrás das pernas dele. Era muito envergonhada. Olhava, com admiração, para as suas grandes passadas quando íamos na rua.
Depois cresci, quis estudar à noite e aí começaram os nossos desaguisados. Quando eu vinha da faculdade, do Campo Grande, à noite, apanhava às vezes o mesmo autocarro que ele, o 38. Escondia-me atrás das pessoas para ele não me ver. Confesso que uma ou outra acho que ele fez vista grossa. Eu saía uma paragem antes da nossa, perto de casa, na esperança que ele não me visse. Depois apressava o passo (a distância até à paragem seguinte era curta) para ver se o meu pai ia de facto para casa. Quando o avistava, via-o caminhar em direção ao largo da Alcântara no sentido das casas de fado da altura. Nem dizia nada à minha mãe para ela não ficar a moer o sentimento...
Os nossos melhores momentos eram passados na aldeia de Vide, na Beira Alta. Ele tinha tempo para nós. Jogava às cartas connosco, íamos juntos nadar para o rio Alvoco, subíamos a serra para apanhar fruta e folhada, à noite passeávamos e falávamos sobre as constelações...
Ele era uma pessoa muito sociável. Convidava muita gente lá para casa.
Quando me casei, o meu pai gostou do meu marido e tudo foi fácil.
Passávamos normalmente às tardes de domingo juntos, mais familiares do meu marido.
Ajudou-nos em muitos momentos. Ralhou-nos também em muitos momentos. Talvez pudesse ser mais compreensivo, menos conservador, menos escorpião, menos imperfeito...
Mas gosto muito dele. Os meus filhos também. O meu marido também.
Morreu mais cedo (embora já estivesse doente) devido a uma infeção hospital. Podia estar vivo e fazer 90 anos entre nós.
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