sábado, 11 de novembro de 2017

Ouvem-se carros intermitentemente nesta rua. Uns são barulhentos.

Algum canito ladra na esquina. Outro, da janela, olha-o curioso. Eis ali outro no largo com o dono que fareja à procura de um pedaço de chão a seu gosto para fazer o seu chichi.
Daqui sente-se um exterior de vozes humanas a lidar com a vida do dia-a-dia. Abrem e fecham portas e caminham como quem se mexe entre sacos.
Uma tímida aragem sacode levemente cortinas a visitar os possíveis quartos. E o sol vai com ela, fresquinho de uma manhã de outono, a convidar a sair.
Deve ser mais um dia especial. Hoje é por ser dia de São Martinho. Aquele santo que cortou a sua capa ao meio para cobrir um mendigo esfarrapado que se cruzou consigo no caminho. Um sussurro manso sugere celebrá-lo com a riqueza que a terra oferece.
Creio que é isso que qualquer um santo profere no ato da partilha. Se estamos todos ligados, se somos todos irmãos, cada brinde é sempre o mesmo.
Algo perfumado vem do apartamento ao lado. Parece o cheiro do crepitar de castanhas num fogareiro de barro. Mesmo dentro de uma casa dos subúrbios se festeja o assar castanhas. Elas que deram o nome à sua própria cor. Nascidas da terra castanha matizada. Filhas da mãe-natureza que batiza as pessoas, as terras, as cores, o universo.
Nestas urbes não há adegas para homens, ou para quem quiser, poderem encher as suas garrafas de água-pé. Mas ainda há quem tenha adegas domésticas para fazer água-pé (e não só). Umas mais confinadinhas que outras. O meu avô tinha a sua, também confinadita, mas já faleceu.
E há tantos pés bonitos: há os nossos pés, os pés dos copos, os pés dos cachos, os pés dos assentos, Os Pés Escaldados, o Pé de Cão, os pés de cabra...até o pé da Dama Pé de Cabra...
E sabemos que a melhor maneira de pisar uvas continua a ser com os nossos pés, mas sem serem lavados, claro.
A natureza é imperscrutável no seu amor. Não é que providencia tudo?

Rosa Maria Duarte






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