CESINA BERMUDES
Faz hoje 26 anos que a minha adorada obstetra, a Dra. Cesina
Bermudes, assistiu ao parto do meu primeiro filho, na avenida António Augusto
de Aguiar. Parabéns, querida Cesina! porque o mérito e a alegria também foram
muito teus… E sempre para com todos.
Numa manhã fria e húmida de quarta-feira, num quarto de
primeiro andar, abria eu os olhos nos intervalos das fortes contrações,
respirava fundo, soprava a contar mentalmente, abstraindo-me das dores do rápido
dilatamento das minhas ancas, e a Cesina ao lado, pouco antes sentada à minha
cabeceira a ler, e que se levantava a todo o momento para me reforçar as
instruções e o alento. Acho que é o grande momento do primeiro amor, este, de
uma mãe caloira a parir, neste caso, nas mãos de uma grande mãe de tantos
«bebés cesina» que ajudou a nascer. Apesar de ela própria nunca ter concebido. Eu
dormia profundamente nos intervalos das contrações, cada vez mais próximas. O
Daniel só nasceu às 17h40m. O pai fora sempre convidado pela própria médica para
as consultas e teve um papel determinado durante o trabalho de parto. De caderno
em punho, com pesagens diárias, de manhã e à noite, em nove meses, assim foram as minhas duas gravidezes. O bebé varão tinha o cordão enrolado ao pescoço,
mas não foi problema para ela. Apenas um susto. As prendas de Natal que lhe
oferecíamos eram invariavelmente Toblerones. Dizia-se assumidamente gulosa. Também
gostava muito de doces à base de leite condensado. Tinha a despensa com as
prateleiras de cima cheias dessas latas. Ademais, não gostava de receber
flores. Preferia-as viçosas a perder de vista nos campos.
O seu nome está indelevelmente associado às primeiras
mulheres que se formaram em Medicina no Portugal salazarista, com 19 valores, e
à introdução do parto sem dor.
Embora conheça bem a
sua história e a sua longa atividade multidisciplinar inestimável, porque
participo modestamente de uma parte dela há algum tempo, quis certificar-me do
rigor dos dados guardados na minha memória confrontando-os com os vários
blogues e sites sobre esta exemplar
cidadã, teósofa e profissional. Com muita satisfação, constatei serem muitos e
fidedignos. O seu pai foi Félix Bermudes, um dos portugueses mais conhecidos do
seu tempo, para além de ter sido um dos sócios-fundadores do Benfica, foi autor
de peças de teatro de grande êxito e de livros muito divulgados. Cesina
Bermudes sempre considerou o seu pai a sua grande referência. Dele achava que
tinha recebido o seu forte caráter e coragem. Já a sua irmã era mais feminina e mais
frágil. Cesina cedo se envolveu em movimentos cívicos (o que era raro para as
mulheres do seu tempo) e na contestação à ditadura. Foi a primeira portuguesa
doutorada em medicina ("ainda por cima em Anatomia", gracejava com
orgulho), mas o Estado Novo impediu-a de assumir o seu lugar de professora na
Faculdade de Medicina de Lisboa. Essa interdição pesou-lhe sempre, como o manto escuro
da tacanhez social e da discriminação fascista. Contudo, outro feito inscreveu-a
na História da Medicina Portuguesa: foi uma dos três introdutores do parto
psicoprofilático (vulgar parto sem dor) em Portugal, no início dos anos
cinquenta e à sua divulgação se dedicou incansavelmente, aplicando-o e
ensinando a parteiras e a formadoras. Durante décadas foi Presidente de Ramo da
Sociedade Teosófica Portuguesa e optou pela alimentação vegetariana. Em 1997, no
ciclo "Natureza e Equilíbrio Sob a República e o Estado Novo" na
Biblioteca-Museu República e Resistência, foi a primeira oradora no primeiro
dia dedicado ao parto psicoprofilático. Esse ciclo foi videogravado e segundo
parece pode ser visionado no referido Museu, constituindo uma excelente
introdução à obra viva e à destacada personalidade de Cesina Bermudes.
Uma das suas grandes
amigas foi a Dra. Maria Guilhermina Nobre Santos, durante anos Presidente da
Sociedade Teosófica de Portugal, professora de Francês e poetisa. Muitas vezes lhe
dei boleia, como antes tinha dado à sua amiga Cesina, já falecida, esta normalmente
da Rua Santos Drummond onde tinha o consultório para o Campo Mátires da Pátria,
onde morava na altura Guilhermina. Não sabia eu então que a Lhalhá, como os
netos apelidaram a Dra. Guilhermina, viria a ser mais uma excelente pessoa que
entrou na minha vida e que muito me tem inspirado. Apesar dos seus noventa anos
há poucos dias celebrados, a Lhalhá não deixa de nos brindar
com a sua encantadora presença, na casa da nossa sempre admirável Isabelinha, sua
filha única, não obstante a natural fragilidade e comoção. A fada dos cabelos
brancos, como ela lucidamente nos contava que um sem-abrigo seu conhecido a tratava. Era uma exímia contadora de histórias. Hoje
continua a mesma pessoa reverente, amável, doce e serena. Que fará de cada das suas
dores um ato psicoprofilático…
Há quem diga que o nosso
melhor professor é o exemplo. E estes, não tenho dúvida, são pequenos grandes
exemplos de serviço à humanidade.
Parabéns, filho.
Lisboa, 3 de dezembro de 2012
Rosa Duarte
No dia 20 de Abril de 1986, a saudosa Drª. Cesina Bermudes fez o parto da minha filha, que acabou de fazer 30 anos. Nunca hei-de esquecer aquela senhora pequena mas grande em alma, sempre preocupada em diminuir a nossa dor, em nos ajudar no nosso dia a dia na nossa condição de mulher. A confiança que dela emanava, tocava-nos profundamente, porque nos fazia acreditar na nossa força e no poder de superar os percalços que a vida nos traz. Obrigada por tudo. Descansa em paz a dois dias do teu aniversário.
ResponderEliminarMargarida
É com muita alegria que tomo conhecimento de mais um bebé, neste caso, uma bebé-cesina. O meu 1º bebé-cesina faz 30 em 3 de dezembro deste ano. Uma boa geração, portanto. Somos uns privilegiados! (obrigado pela sua partilha, Margarida).
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