segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Parabéns, filho.


CESINA BERMUDES

Faz hoje 26 anos que a minha adorada obstetra, a Dra. Cesina Bermudes, assistiu ao parto do meu primeiro filho, na avenida António Augusto de Aguiar. Parabéns, querida Cesina! porque o mérito e a alegria também foram muito teus… E sempre para com todos.

Numa manhã fria e húmida de quarta-feira, num quarto de primeiro andar, abria eu os olhos nos intervalos das fortes contrações, respirava fundo, soprava a contar mentalmente, abstraindo-me das dores do rápido dilatamento das minhas ancas, e a Cesina ao lado, pouco antes sentada à minha cabeceira a ler, e que se levantava a todo o momento para me reforçar as instruções e o alento. Acho que é o grande momento do primeiro amor, este, de uma mãe caloira a parir, neste caso, nas mãos de uma grande mãe de tantos «bebés cesina» que ajudou a nascer. Apesar de ela própria nunca ter concebido. Eu dormia profundamente nos intervalos das contrações, cada vez mais próximas. O Daniel só nasceu às 17h40m. O pai fora sempre convidado pela própria médica para as consultas e teve um papel determinado durante o trabalho de parto. De caderno em punho, com pesagens diárias, de manhã e à noite, em nove meses, assim foram as minhas duas gravidezes. O bebé varão tinha o cordão enrolado ao pescoço, mas não foi problema para ela. Apenas um susto. As prendas de Natal que lhe oferecíamos eram invariavelmente Toblerones. Dizia-se assumidamente gulosa. Também gostava muito de doces à base de leite condensado. Tinha a despensa com as prateleiras de cima cheias dessas latas. Ademais, não gostava de receber flores. Preferia-as viçosas a perder de vista nos campos.

O seu nome está indelevelmente associado às primeiras mulheres que se formaram em Medicina no Portugal salazarista, com 19 valores, e à introdução do parto sem dor.

Embora conheça bem a sua história e a sua longa atividade multidisciplinar inestimável, porque participo modestamente de uma parte dela há algum tempo, quis certificar-me do rigor dos dados guardados na minha memória confrontando-os com os vários blogues e sites sobre esta exemplar cidadã, teósofa e profissional. Com muita satisfação, constatei serem muitos e fidedignos. O seu pai foi Félix Bermudes, um dos portugueses mais conhecidos do seu tempo, para além de ter sido um dos sócios-fundadores do Benfica, foi autor de peças de teatro de grande êxito e de livros muito divulgados. Cesina Bermudes sempre considerou o seu pai a sua grande referência. Dele achava que tinha recebido o seu forte caráter e coragem. Já a sua irmã era mais feminina e mais frágil. Cesina cedo se envolveu em movimentos cívicos (o que era raro para as mulheres do seu tempo) e na contestação à ditadura. Foi a primeira portuguesa doutorada em medicina ("ainda por cima em Anatomia", gracejava com orgulho), mas o Estado Novo impediu-a de assumir o seu lugar de professora na Faculdade de Medicina de Lisboa. Essa interdição pesou-lhe sempre, como o manto escuro da tacanhez social e da discriminação fascista. Contudo, outro feito inscreveu-a na História da Medicina Portuguesa: foi uma dos três introdutores do parto psicoprofilático (vulgar parto sem dor) em Portugal, no início dos anos cinquenta e à sua divulgação se dedicou incansavelmente, aplicando-o e ensinando a parteiras e a formadoras. Durante décadas foi Presidente de Ramo da Sociedade Teosófica Portuguesa e optou pela alimentação vegetariana. Em 1997, no ciclo "Natureza e Equilíbrio Sob a República e o Estado Novo" na Biblioteca-Museu República e Resistência, foi a primeira oradora no primeiro dia dedicado ao parto psicoprofilático. Esse ciclo foi videogravado e segundo parece pode ser visionado no referido Museu, constituindo uma excelente introdução à obra viva e à destacada personalidade de Cesina Bermudes.

Uma das suas grandes amigas foi a Dra. Maria Guilhermina Nobre Santos, durante anos Presidente da Sociedade Teosófica de Portugal, professora de Francês e poetisa. Muitas vezes lhe dei boleia, como antes tinha dado à sua amiga Cesina, já falecida, esta normalmente da Rua Santos Drummond onde tinha o consultório para o Campo Mátires da Pátria, onde morava na altura Guilhermina. Não sabia eu então que a Lhalhá, como os netos apelidaram a Dra. Guilhermina, viria a ser mais uma excelente pessoa que entrou na minha vida e que muito me tem inspirado. Apesar dos seus noventa anos há poucos dias celebrados, a Lhalhá não deixa de nos brindar com a sua encantadora presença, na casa da nossa sempre admirável Isabelinha, sua filha única, não obstante a natural fragilidade e comoção. A fada dos cabelos brancos, como ela lucidamente nos contava que um sem-abrigo seu conhecido a tratava. Era uma exímia contadora de histórias. Hoje continua a mesma pessoa reverente, amável, doce e serena. Que fará de cada das suas dores um ato psicoprofilático…

Há quem diga que o nosso melhor professor é o exemplo. E estes, não tenho dúvida, são pequenos grandes exemplos de serviço à humanidade. 

Parabéns, filho.

                                                         Lisboa, 3 de dezembro de 2012

                                                                          Rosa Duarte

2 comentários:

  1. No dia 20 de Abril de 1986, a saudosa Drª. Cesina Bermudes fez o parto da minha filha, que acabou de fazer 30 anos. Nunca hei-de esquecer aquela senhora pequena mas grande em alma, sempre preocupada em diminuir a nossa dor, em nos ajudar no nosso dia a dia na nossa condição de mulher. A confiança que dela emanava, tocava-nos profundamente, porque nos fazia acreditar na nossa força e no poder de superar os percalços que a vida nos traz. Obrigada por tudo. Descansa em paz a dois dias do teu aniversário.
    Margarida

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  2. É com muita alegria que tomo conhecimento de mais um bebé, neste caso, uma bebé-cesina. O meu 1º bebé-cesina faz 30 em 3 de dezembro deste ano. Uma boa geração, portanto. Somos uns privilegiados! (obrigado pela sua partilha, Margarida).

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