sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Autobiografia (página 20)

Quando casei, em 85, não sabia que tinha direito a dias para a lua-de-mel. Por isso marcámos nas férias de Natal. Casámos a 21 de dezembro. Já eu estava a dar aulas na Escola Secundária de Santo António, na Cidade Sol, Barreiro. Dei lá dois anos aulas. Um verdadeiro desafio.
Quando os meus colegas souberam que me ia casar, juntaram-se e compraram uns utensílios para a casa, como um ferro de engomar.
No segundo ano, já estava grávida do meu primeiro filho, o Daniel. Apanhava a camioneta para Cacilhas. O Cacilheiro para o Terreiro do Paço. O barraqueiro para o Barreiro. E a camioneta do cais no Barreiro para a Cidade Sol, que dava (ainda deve dar..) muitas voltas no centro.
O Daniel nasceu a 3 de dezembro. Nos meses de maio, junho, julho, nos dias mais quentes, eu ficava tão ensonada que adormecia e o que me valia é que saía sempre, em todos os transportes, na última paragem. Só quando ia acompanhada é que não adormecia. Às vezes acompanhava alguém da minha escola e ia a conversar. A minha colega Rosa, por exemplo. Chegámos a fazer autênticos piqueniques no barraqueiro, de regresso a casa, tal era a fome.
Foi no primeiro ano da minha carreira docente que conheci também a Fátima e a família. Ela emprestou-nos muitas roupas e a cama da filha Ioli. No tempo em que todos os tostões contavam.
Eu fiz uma grande barriga e estava um bocadinho assustada com o parto. A minha colega Margarida dizia-me, como mãe que já era: - O que entra, tem que sair. Não custa nada. - E sorria. Eram cumplicidades que ajudavam.
Eu ia às consultas mensais do Hospital de Santa Maria, mas pensei em fazer uma preparação para o parto. Então a Fátima falou-me na lendária Dra. Cesina Bermudes, obstetra, que conhecia bem. Tinha consultório na sua própria casa, na Santos Dummond (que entretanto foi remodelada). Era a pioneira no nosso país do parto sem dor. Foi uma experiência extremamente rica a todos os níveis. Ela quase não levava dinheiro. Tinha dedicado a sua vida às senhoras mais pobres e àquelas que sendo ricas, não podiam contar com a sua família depois de grávidas. Oferecia-nos os medicamentos. Tinha caixas cheias deles. Queria que os maridos acompanhassem as grávidas ao longo dos nove meses. E que assistissem ao parto. À época, já era muito progressista.
E assim aconteceu. Quando tive sinais de parto, que primeiro foram falsos, fomos tocar-lhe à campainha durante a noite. Estava a fazer sopa. Dizia que só dormia quando tinha sono. Já tinha uma idade considerável, mas ainda se sentia com força e capacidade para fazer partos.
Quando fui, de facto, para a Clínica Cabral Sacadura, onde a Dra. Cesina trabalhava, fui a conduzir, porque o meu marido ainda não tinha carta de condução. Ia a fazer os exercícios de respiração.
Enquanto não fiz a dilatação necessária, a Dra. sentou-se à minha cabeceira a ler. Eu até dormia nos intervalos das contrações. A minha família estava lá comigo.
Entretanto, o meu marido vestiu uma bata e foi para a sala ajudar no que foi preciso durante o parto.
O Daniel nasceu um bebé lindíssimo. A enfermeira assistente elogiou-o muito.
O Manel fez questão de dormir lá.
Então fiz um grande grande sono, de uma imensa tranquilidade e felicidade.
Já lá vão 30 anos.


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