sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Fronteiras são limites (ou muros)?

                 

Desde la frontera
          
             Sobre o conceito de fronteira, José Luis Sampedro, conceituado professor, economista e escritor catalão, afirmou que há fronteiras de todas as classes: geográficas, históricas, biológicas, sociais, psicológicas, artísticas…
                  E passou à distinção entre fronteira e limite.
               O cabo «Finis Terrae» (do latim: fim da terra) para Sampedro não é um limite, mas uma fronteira, porque não é nenhum final de meta para o Homem. E para ele, em frente do oceano, os olhos e o pensamento vão mais longe, superando a costa. O mar não é um confim nem uma barreira, mas a maior porta para a liberdade.

Mis fronteras son todas trascendibles, como lo es la membrana de la célula, sin cuya permeabilidade no sería posible la vida, que es dar y recibir, intercambio, cruce de barreras. Y más aun que trascendible la frontera es provocadora, alzándose como un reto, amorosa invitación a ser franqueada, a ser poseída, a entregarse para darnos con su vencimiento nuestra superación: ese es el encanto profundo del vivir fronteirizo. Encanto compuesto de ambivalencia, de ambigüedad – no son lo mismo -, de interpenetración, de vivir a la vez aquí y allá sin borrar diferencias. Más allá nos tienta lo otro, lo que nos tenemos: nos lo canta y nos lo promete la frontera. (pp. 16/7).

                 Sampedro distinguiu os traços comuns das pessoas fronteiriças das que vivem nos centros.
               Na sua opinião, os dos centros vivem encastelados, porque erguem muralhas e fecham as portas para criar limites ao seu território. Quando ultrapassam as muralhas, é para conquistar o espaço do outro. “Destruyendo para conservar.” Para estes, a fronteira não é um convite, mas uma ameaça. Os que estão fora portas são sempre inimigos. E como não procuram aproximar-se do inimigo, a sua vida está ancorada no interior das muralhas, onde erguem palácios, templos, normas, dogmas. Preferem a segurança do sedentarismo e das normas, do que a aventura do movimento e da liberdade.
               No seguimento da sua reflexão, Luis Sampedro considerou que são dois estilos de vida diferentes: o fronteiriço e o central.
               O fronteiriço é ambivalente e ambíguo, o que faz dele um ser mais dinâmico, aberto à novidade e potencial vanguardista.
                 Quem vive no centro é resistente às mudanças, e defende as suas leis e normas de forma tão rigorosa que pode chegar a extremos do dogma, da exigência ortodoxa e, mesmo, da tirania.
                   Os fronteiriços são revolucionários.
               Contudo, tão vital é a mudança como a permanência. Tão lícita a atitude fronteiriça como a central. Concluiu esta distinção dizendo que os dois estilos podem ser complementares.
                Mas declarou-se fronteiriço, porque aberto à inovação e ao progresso. “[…] como cantó el gran fronteirizo Pablo Neruda: «no es hacia abajo ni hacia atrás la vida.»” (p. 20)
           Os próprios contrabandistas que Sampedro conheceu eram alegres, atentos, cordiais e saudavelmente pícaros. Não viviam enganados, porque tinham consciência que o contrabando apenas é delito aos olhos da lei do serviço da extorsão fiscal. Para um defensor do mercado livre, o contrabando devolve a liberdade de oferta que o Estado retirou.
                  À luz da fronteira aduaneira da sua vida quando se dedicou a estudar economia, a queda do muro de Berlim servia de bom exemplo da diferença entre a atitude fronteiriça e a atitude central. Estes últimos, encararam-no como o fracasso do comunismo e a vitória da verdade do capitalismo. E o facto é que não há liberdade de eleger no nosso mercado, porque sem dinheiro não é possível eleger nada.
               A ciência económica evoluiu muito. Mas em que direção, perguntou-se. Sampedro deu a entender que nem o liberalismo nem o comunismo evoluíram. Então é crucial a reforma dos pressupostos básicos da economia.

Quienes creemos que la humanidad evoluciona en espiral, repitiendo su paso por los mismos ejes, aunque a distancias crecientes del centro, recordamos que así cayeron antes todos los imperios. (p. 27)

               A nossa civilização, segundo o mesmo autor, rompeu com o sagrado e elevou aos seus altares o dinheiro e o materialismo. Subestima-se o sentimento. Há muita ciência e pouca sabedoria. Sampedro alertou, contudo, para os riscos nessa luta contra os desajustamentos e desequilíbrios sociais, do uso dos extremismos que só os agravam.
               Se o amor não é sagrado, como é que vai ser a morte, interrogou-se.

Pues la muerte no es lo contrario del vivir, sino el horizonte que lo confirma y contra el cual gana la existencia en intensidad […]. Si conscientemente dejamos a la muerte que nos acompañe, hace milagroso cada instante, retoca voluptuosamente el irrecuperable pasado, hace incierto el futuro y así más deseable. No es enemiga, sino amiga, quien nos salva de la decrepitud; pero esta civilización no lo entiende y escamotea la presencia de la muerte en nuestro escenario social. (p. 31)

Rosa Maria Duarte, O Canto do Cisne no Retorno do Eu ao Ato da Escrita, 2015.


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