Queridas estrelas,
Olho-vos tão afastadas e tão perto de mim. O que seria da minha vida sem vocês?
Quando tinha casa, família, trabalho, nem tinha tempo para vos espreitar, para admirar a vossa imensa generosidade em luz e beleza.
Foi preciso cair nesta desgraça para me sentir comovido com a vossa existência. Sei que esta pinguita me aguça o sentimento e me faz um chorão de primeira, mas não duvidem deste meu carinho por vocês. Eu sei que o vosso tamanho é imenso, são poderosas, mas a mim parecem-me tão inofensivas e inseguranças. Sempre a cintilar. A hesitar. Sempre a piscar-me o olho e a falar comigo. É certo que mais ninguém fala comigo. Mas não quero mal aos outros e ao mundo. Sejam todos felizes. Se calhar, cada um com o seu drama.
O meu drama é viver desamparado, desamado, esquecido em cada esquina. Já não me interessam as aparências. Já nem paciência tenho para tomar banho, mesmo quando mo obrigam a tomar.
Eu sei que ainda há alguma generosidade. Mas as pessoas têm medo da desgraça, como se fosse uma doença contagiosa. Eu sei que também é o meu aspeto, o meu mau cheiro, a minha tristeza...
Tenho-vos a vocês e a este imenso céu maravilhoso que me cobre todas as noites.
Ao princípio, dormia muito inquieto. Estava sempre com medo que alguém me fizesse mal. Agora deixei-me disso. Seja o que Deus quiser.
Eu não me tornei mais crente. Já o era, por tradição familiar.
Agora podia ir à igreja pedir ajuda, mas tenho vergonha. Tenho medo que alguém me conheça e me bombardeie com a piedade que faz tão bem aos outros e tão mal a mim.
Eu sei que deveria ser forte, confiar nas coisas belas do mundo, como em vocês.
Se calhar tenho uma estrela aziaga escondida no meu coração que não me deixa reagir à rejeição da vida.
E não há assistente social ou psicóloga que me faça acreditar em mim. Deixei de acreditar na razão da minha existência. Tudo me magoa.
Vou-vos fazer uma confidência: às vezes quando o céu fica enublado, até fico zangado com ele.
Não sei defender-me da dor. Da que se vê e da que se apenas sente.
Algo falhou na pessoa em que me tornei. Hoje já é tarde para aprender.
Todas as noites estou aqui deitado, sozinho, muito só, mas nunca cansado de olhar para cima, para as minhas luzinhas cintilantes que vocês são e estendem até mim em feixes de luz um abraço que me aquece até de manhã.
Boa noite, amigas estrelas.
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