domingo, 22 de janeiro de 2017

Autobiografia (página 17)








Em Alcântara, quando o clube de futebol do Atlético subia à primeira divisão, havia sempre alarido. Digo alarido porque eu nunca entrava nas festas na sede do Atlético. Apenas me apercebia nesses dias da animação na zona do largo de Alcântara. Quando ainda existia a rotunda que confluía o trânsito de todas as artérias e gerava caóticas acumulações de trânsito; era sempre uma zona com um trânsito muito nervoso.
Assim que via chegar os cabeçudos ou gigantones, ficava cheia de medo. Mal me lembro porquê, mas acho que era muito pequenina quando um cabeçudo se chegou à minha carita assustada. Desde então fugia quando se aproximavam, aquelas cabeças feitas de pasta de papel muito engraçadas e que hoje se podem ver no museu de etnologia em Lisboa.
Mas de resto, nunca fui muito medrosa. 
Gostava de me aventurar. Dar braçadas no mar até longe. Fazer explorações, ou seja, ir vascular sítios e coisas. Fazer viagens. Conhecer...
Não era friorenta. Andava sem casaco no inverno. Gostava de andar à chuva (por isso andava com frequência com o pingo no nariz).
Não tinha medo de animais. Gostava de me aproximar, fazer-lhes festas e, às vezes, conversar com eles.
Gostava de dançar e cantar pela casa. Imitar estrelas do rock.
Em casa dos meus pais, enquanto eu lá vivi, não havia telefone. Tudo o que havia para resolver ou conversar, tinha que ser pessoalmente, quando era possível. Então o dia era ocupado facilmente com poucas coisas. Mas mesmo assim não me pareciam curtos, os dias. O tempo para mim andava devagar. Sobretudo quando eu queria que chegasse um momento importante. Até lá, punha-me a ler o Diário Popular que o meu pai comprava todos os dias e punha em cima da mesa da sala, depois de almoço.
Um dia combinei com uma colega minha de Carcavelos ir ter com ela à estação, logo de manhã, para irmos à praia. Ela foi de propósito a minha casa em Alcântara para combinarmos, porque eu não tinha telefone. Estávamos então nas férias grandes.
Eu estava muito entusiasmada com essa saída. 
Durante a noite ouvi uma chuvada muito forte. Mas como estava estremunhada, não liguei.
Ao outro dia de manhã, a minha mãe disse-me que não valia a pena ir porque estava frio e chuva e não dava para ir à praia.
Eu fiquei com muita pena. 
Calculei que a minha colega Manuela nem saísse de casa com aquele tempo, mas como não a tinha avisado, porque não podia, fui de propósito à estação de Carcavelos.
O progresso tecnológico tem inegavelmente as suas vantagens (que desvantagens já sabemos que sim).

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