domingo, 12 de março de 2017

Autobiografia (página 26)

Eu, o meu marido, os meus filhos e a minha sogra íamos quase todos os domingos ter com os meus pais à Tapada da Ajuda.
O meu sogro faleceu ainda o Daniel não tinha um ano.
A nossa semana de trabalho era um rodopio. Profissões esgotantes. Filhos rapazes com muita vida. E a minha sogra sozinha a viver em Lisboa. Como sempre, uma senhora independente e amiga de sair de casa. Quando o meu sogro faleceu, o seu lugar habitual era o jardim da Estrela. Ia à missa na Basílica da Estrela e depois regressava a casa. Às vezes ainda ia ver TV na casa de uma ou outra vizinha. Num ritmo tanto quanto possível calmo e a seu gosto.
Nós, em casa, andávamos sempre a correr contra o tempo. Eu gostava que houvesse cumprimento de horários e de rotinas, por causa das crianças e das suas obrigações.
O sábado era todo ele para mais obrigações: catequese, natação, música, Cambridge. O domingo de manhã ainda eram os escuteiros. Sobrava o domingo à tarde. O nosso refúgio era a Tapada da Ajuda e a companhia dos meus pais e sogra. Às vezes iam lá ter outras pessoas: algum/ns dos irmãos e outros amigos ou familiares.
Para se falar com os meus pais ao domingo à tarde, já se sabia: Tapada da Ajuda. Havia lugares mais ou menos habituais: ou junto aos bancos da Rainha Santa, ou do Centro de Apicultura, ou no sobreiro grande, ou na roda do pinheiro, ou perto do tanque da água, ou no campo de rugby, ou junto às vinhas.
Dependendo da hora, mais ou menos já sabíamos onde encontrá-los.
Na primavera e no verão, combinávamos mesmo almoços. Levávamos as nossas mesas e cadeiras de campismo e almoçávamos uns com os outros. Os rapazes comiam muito bem ao ar livre. Depois iam passear com o avô que lhes contava histórias de índios, crocodilos, piratas. Mostrava-lhes esconderijos, campos de flores, panorâmicas especiais.
De inverno também íamos à Tapada de Ajuda. Os rapazes preferiam andar com chapéu de chuva por aquelas ruas do que ficar em casa.
Eles inventavam sempre forma de se ocuparem: faziam herbários, colecionavam pedras diferentes, caçavam insetos para mostrar e comparar, andavam de bicicleta ou patins, jogavam à bola, andavam de carros de esferas, comiam que se fartavam, às vezes levavam um ou outro amigo com eles...
As festas de anos, sobretudo do Artur que faz anos em abril, eram invariavelmente no sobreiro grande da Tapada da Ajuda. E muita gente da família e amigos gostavam. Faziam-se torneios de futebol, pequenas expedições pelo campo...
Eu aprendi a andar de bicicleta já adulta, precisamente na Tapada da Ajuda.
Era lá que se convivia e piquenicava.
No Carnaval, os nossos pais iam connosco a Belém ver os mascarados. Arranjávamos fatos giros para o Artur e o Daniel.
Depois os rapazes atingiram a adolescência e começaram a querer variar nos programas ao domingo. Íam a festas de anos dos amigos e demais programas.
O meu pai começou a ter problemas de saúde (até então tinha sido sempre muito saudável e amigo de sair). O meu pai vendeu o carro e às vezes apanhavam o elétrico até Belém. Algumas vezes fomos ter com eles ao jardim com a estátua do Afonso de Albuquerque. Depois íamos aos pasteis de nata.
Quando o meu pai faleceu, já os meus filhos eram maiores. Custou-nos muito a todos. O avô era muito conversador e amigo, e eles gostavam muito do seu convívio. Estava longe de ser uma pessoa perfeita, mas era o seu avô e eles gostavam muito dele. 
O avô paterno, eles nunca chegaram a conhecê-lo (a não ser o Daniel, mas naturalmente não se lembrava dele). 
Hoje é raro irmos à Tapada da Ajuda. Porque não podemos e porque as recordações às vezes ainda são dolorosas.
Já lá fizemos um ou outro piquenique, quando o Daniel e a Marta vieram no verão a Portugal.
O tempo esculpe a vontade das pessoas.
Amanhã quantos seremos?



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