quarta-feira, 15 de março de 2017

Autobiografia (página 27)

Não fui filha única. Ainda bem. Gosto de ter irmãos. Cada um tem a sua vida. Nem sempre é fácil cuidar das amizades.
Mas o certo é que não fui o centro das atenções. Longe disso. Sempre tive que lutar pelas minhas vontades. Tenho sido contrariada quantas vezes pelo destino, desde sempre. Mas já estou habituada. Estou longe de ser uma menina mimada ou de ter excesso de auto-estima. Confio o suficiente em mim, no meu discernimento, nos meus sentimentos e princípios. 
Consciente de que estamos sempre em construção. E ainda bem. O auto-conhecimento faz parte desse processo.
Considero-me educadora para a paz. Procuro lidar bem com os outros, sem abdicar (muito) de quem sou. Eu não preciso de muito.
Sou por natureza investigadora da vida. Gosto de conversar e sei que gostam em geral da minha forma espontânea e sincera de ser. Mas sou capaz de passar um dia inteiro a ler ou a escrever. Ainda sou tímida e nem sempre me sinto à vontade.
Há pessoas que se sentem castigadas por não interagirem tanto quanto desejavam. O ser humano nasceu para ser gregário. E não devemos privar os outros da nossa companhia. A melhor maneira de reeducar alguém não é privá-lo de socialização. Pelo contrário. 
Na minha família, sempre procurámos conviver com os outros, apesar da vida agitada. Em abono da verdade, eu e o meu marido nunca nos sentimos sós.
Às vezes, o que faz falta a muitos de nós é a pessoa certa para nos compreender no ser mais recôndito que cada um é. 
Quando os nossos rapazes se tornaram mais crescidinhos, eu e o meu marido resolvemos diversificar mais as nossas atividades: começámos a fazer natação, frequentámos a escola da fé no seminário Scalabrini da Amora, o Centro Lusitano de Unificação Cultural, a secção portuguesa de Sociedade Teosófica. 
Hoje perdura a Sociedade Teosófica de Portugal, ainda que com algumas ausências, por razões de saúde e familiares.
Nesta, eu e o Manel podemos refletir com outros membros, participar em atividades criativas, literárias, espirituais e outras.
Também sempre tive uma boa relação com os familiares do meu marido e vice-versa. Gentes de bons princípios. Um dia talvez consigamos conviver mais amiúde.
Entretanto, o fado emergiu algures pelo meio.
Eu nasci em ambiente bairrista. Mas qualquer português nasce, a bem dizer, no meio do fado, seja lá onde for.
A partir dos quarenta anos, começamos a olhar para trás, a tentar compreender quem somos pela nossa própria história. Foi o que me aconteceu.
Com a mudança de escola, achei que devia de fazer alguma coisa por mim. 
Já antes tinha lecionado Arte Dramática aos alunos. Cheguei a sugerir ao meu marido seguir algo como cenografia.
Eu vivia para a minha família, para os meus alunos, para o dia-a-dia.
Peço desculpa às vezes pela minha impaciência, pela minha introversão, pelas palavras que ficaram por dizer, pelas atitudes que ficaram por corrigir. Alguém que tem uma família a que se entrega de corpo e alma, que tem uma profissão na qual tem de lidar com um universo imenso de maneiras de ser e de pensar, naturalmente precisa de, a cada passo, repensar as suas atitudes.
Eu podia ter feito melhor, em certos momentos da minha vida familiar, profissional e social. Um dia de cada vez...
Há uns anos, conversei com o meu marido e decidimos procurar um curso na A.R.C.O., que é o centro de artes já antes frequentado pelo meu marido.
Não chegámos a frequentar.
Mas eu, entretanto, consegui articular a frequência do curso de doutoramento em Estudos Literários Comparados com o meu horário escolar.
E nas minhas pesquisas académicas, fui parar ao mundo do fado.
Criei um projeto «Fado nas Escolas», no âmbito do qual já tenho promovido alguns eventos inter-artes, que tem tido aceitação da parte de quem tem participado.
Diz-se que ser professor/a é para toda a vida. Eu acho que é como no fado: é para toda a vida.
Acho que não o fazem, mas se, por acaso, me advertissem ou mesmo castigassem pelas minhas falhas, que são muitas, se tentassem reeducar-me, submeter-me, desamar-me, desmotivar-me, eu continuaria no esforço de tentar compreender onde falhei, de evitar ripostar e esperava que, como educadora para a paz, levar, a seu tempo, ao esclarecimento de quem sou e da minha vontade de agradecer tudo o que me tem sido dado, que não é pouco. 
Não sou ambiciosa, pelo menos no sentido materialista do termo. Tenho uns filhos maravilhosos e muito mais...








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