quinta-feira, 2 de março de 2017

Autobiografia (página 23)

Quando ouvia cantar ou tocar, estava sempre pronta para escutar e apreciar. A música não exige inteligência ou energia. Apenas entrega.
Com música, ou sem ela, vamos fazendo da nossa experiência algo que não fique demasiado perdido ou emaranhado.
Nem sempre gostamos de lembrar os dias em que não sentimos o mesmo entusiasmo. Todos temos esses dias. Nem todos gostam de falar disso. Eu também não gosto. Há quem só goste de falar desses dias.
Vivemos à procura de nós próprios. Nos olhos dos outros. Por isso é que há indivíduos que querem matar o eu dos outros, fabricando imagens menos verdadeiras.
O pensar é já um ato de memória.
Eu desde muito cedo que tenho passado tempo comigo.
Repartirmo-nos por quem somos, supostos adultos, por crianças num estado de desenvolvimento diferente, por progenitores, por outros pares, num grau de compreensão considerável.
Em criança, fazíamos de conta que éramos os pais, os avós, os professores, os padres, os vizinhos, os bebés... Observávamos para imitarmos.
Gostávamos de ser este ou aquela. Eu gostaria de ser a Suzi Quatro.
Depois a Florbela Espanca. Depois a Olívia Newton John. Depois a Vieira da Silva. Depois a Meg Ryan. Depois a Sophia de Mello Breyner. Depois o Gandhi. Depois a Teresa Silva Carvalho...
Nunca consigo chegar ao fundo de mim. Há sempre mais fundo ainda.
Com todas as esquizofrenias atribuídas, Fernando Pessoa é um dos mestres da viagem ao interior do ser humano pela arte da palavra.
Há seres humanos que morrem logo à nascença. São estrangulados pela vontade dos outros que os (des)educam. Outros pela sua necessidade visceral própria de agradar aos outros. Nunca chegam a ser quem poderiam.
Eu chegarei a ser eu algum dia? Se calhar, já estou muito longe de ser este ser.
Vou apanhando os destroços de mim que vão caindo pelo meu caminho e ficciono-os como algo de meu.
Esta autobiografia ainda tem muito por dizer. Mas está cada vez mais próxima do osso do presente.
Com o passar do tempo, poderia ter mais para contar, mas a vida é sempre a perder (Xutos & Pontapés). 
Porque é que quando gostamos, somos menos simpáticos com medo que descubram a nossa necessidade de amar?







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