sábado, 18 de março de 2017

Autobiografia (página 28)

Não gostamos, regra geral, de falar das nossas imperfeições. Refiro-me ao ato de enumerá-las ou/e analisá-las. Podemos fazê-lo, e menos mal, embora saibamos que não devemos de tirar a clientela aos que que se dedicam a estudar e a ajudar quem precisa, os especialistas em determinadas áreas do saber, como sejam a medicina, assistência social, as terapias alternativas, a sociologia, a filosofia, a psicologia, seja lá qual for.
Olhamos o exterior e esquecemos que há pensamentos menores. Acolhemo-los sem selecionar. Chegam-nos nem sabemos às vezes de onde e como, de fora ou do interior do nosso cérebro. Nem sempre os questionamos. 
Quando levantamos a cabeça e vemos o céu da nossa rua, percebemos que o universo grandioso quantas vezes nos dá algumas coordenadas e a consciência do nosso lugar insignificante neste gigantesco mundo planetário e cósmico.
A criança que ainda habita o nosso ser ajuda-nos a sentir um entusiasmo genuíno.
Quando crianças em tenra idade, somos incitados a crescer, a ter sentido de responsabilidade, maturidade para nos relacionarmos com a vida, as pessoas e situações no dia-a-dia. Com ou sem orientação, é necessário aprender com as experiências e vivências e subir mais um degrau na nossa sabedoria. Saber tomar decisões e fazer opções. Saber encorajar e saber perdoar. Conhecer a autopreservação.
Quando o meu irmão mais novo faleceu, resolvi criar um novo patamar e introduzir outros melhoramentos em mim.
Um deles foi viver melhor cada dia. Não é fácil. Esquecia-me muitas vezes de viver. Limitava-me a corresponder às solicitações e necessidades do dia-a-dia.
Viver, ou seja, fazer por observar com alguma serenidade aquilo que ia vivendo em cada momento. Tomar alguma atenção. Estar presente. Olhar para ver. 
Pensar sobre o que se observa e formar com algum tempo a opinião possível. Sobretudo a opinião sobre a legitimidade da existência e da necessidade da nossa presença mais ou menos interventiva em cada ocasião. Termos consciência que há lugar para cada um de nós. Não apenas humanos.
Nessa altura, também dei uma ajuda com um regime alimentar menos aleatório e mais adaptado às minhas necessidades. Mais águinha e luz natural, disseram-me.
Saber que há mais potencial que pode ser trabalhado. Que exige dedicação e amor. Zangar-me só quando não pudesse deixar de ser. Deixar os outros (in)compreenderem-se e (in)compreenderem-me. Dar-me espaço para me (in)compreender e ir fazendo o meu trabalho de casa...
Também tive ídolos. Aprendi com os meus ídolos ou referências. Nas várias esferas dos meus interesses.
Aprendi com muita gente, felizmente. Continuo a aprender, claro. Até comigo própria. Não gosto de fazer o culto da personalidade, mas acho que não devemos ser ingratos com o que os outros nos dão, com o que damos a nós próprios, com o que nós damos aos outros. 
Sei que tenho tido momentos na minha vida que quase só tenho contado comigo mesma. Sei que não sou só eu que sei que a psicologia humana tem meandros muito hábeis e que quando se quer afastar uma criança do perigo se alerta o mais possível, em especial com a experiência de dor.
A consciência do que queremos, ajuda a superar qualquer experiência dolorosa que nos tenham/queiram infligir para nos desviarem da rota em causa. Quantos seres humanos fugiram e fogem de quem são para evitarem o embate causado pelo desagrado alheio?
Crescemos, amadurecemos e, mais ou menos a partir dos cinquenta anos, vamos envelhecendo. Ainda que cada um envelheça quando quer...
A criança residente que mora dentro de nós faz-nos muito jeito. 
A jovialidade e mesmo irreverência que me resta têm-me permitido ousar ser diferente. Porque afinal somos todos diferentes. Nem os gémeos verdadeiros são iguais.
Sou única. Com todos os riscos e possíveis benefícios. Gosto de me ter deixado de plasmar a cada passo nas pessoas que admiro. Que são, felizmente, muitas.
Hoje faço um trabalho mental de imaginação um pouco diferente: imagino-me a ser um outro corpo, com outra voz, com outra rotina, outros sentimentos, outra família... Porque às vezes, parece que todos vivem o mesmo que nós vivemos. E há experiências tão diferentes da nossa. Como um esquimó ou um artista de circo.
Às vezes, não. Pessoas na Amazónia a sentir vontade de escrever um poema. De cantar um fado ou um som de outro estilo. De mostrar um novo penteado ou outra tatuagem.
Há cansaços que nos fazem pensar que são em maior número os outros que têm uma vida mais interessante do que o contrário. Uma estatística que é complicada de fazer. 
O que eu, neste momento, trabalho para ter e ajudar os meus a ter não é propriamente de foro material, que às vezes é mais fácil de ter e também ajuda mais do que eu costumo pensar. Usamos a palavra felicidade, que é a palavra mágica para simplificar a coisa. Só que nunca seremos felizes com exatamente o mesmo que o outro.
E, no entanto, só nos sentimos nós próprios quando estamos junto de quem nós mais gostamos. Sem eles, pouco ou nada interessa. Se for preciso, defendemo-nos dessa fraqueza proclamando publicamente o contrário (Maslow é o delator...).
Então entra a nossa razão, que se quer mais forte do que o sentimento, quantas vezes derrotada, e impõe a si mesma a tal serenidade, porque já aprendeu, e informa-se a si própria do prazer que qualquer valimento seu tem e desenvolve os seus próprios interesses, que podem chegar à curiosidade alheia.
Interesses como, no meu caso: a música, a escrita, a pintura, a leitura, a investigação, a educação, a ciência, a espiritualidade, o jornalismo, o teatro, o cinema, o ambiente, o desporto.
Sempre me tive em conta de boa aluna. Como quis ajudar, fui para prof. 
Agora, já estou mais 'pausada' nesse fervilhar interior. É o senhor tempo a fazer das suas, a instalar-se, quem sabe, na voz do silêncio, tão sossegadamente que nem o vislumbro. Apenas sinto um distanciamento como que do ruído exterior a mim. Mas sobretudo dentro de mim.
Serão os passares da vida.







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