Casamento dos meus pais no dia 12 de dezembro de 1954 |
O momento da chegada do meu pai de uma viagem era sempre uma alegria. Muitas vezes ele nem avisava... Mas também a comunicação à distancia entre os meus pais era muito demorada, feita por carta.
- Chegou o pai - alguém dizia.
Ficava tudo em alvoroço. Toda a gente a correr de um lado para o outro. Os mais novos queriam ir até à porta da rua, vê-lo, mas a passagem era rapidamente barrada. O meu pai trazia muitos caixotes e volumes estranhos. Não podíamos empecilhar o caminho. Estávamos ansiosos por ver a cara do nosso pai. Às vezes já nem nos lembrávamos bem das suas feições. O que é que ele traria desta vez? Sempre que ele partia, pedíamos-lhe guloseimas. Como eram bons os bombons ingleses nas caixas metálicas coloridas cheias de ladies a passear de sombrinhas! Os pacotes enormes de caramelos e barras de chocolate de Espanha. Os cachos de bananas gigantes de Moçambique que o meu pai punha na despensa. O queijo flamengo dos Açores. Os abacaxis da Guiné...Ele trazia sempre presentes para toda a família e comida de sobra (tinha de pedir aos talhantes do bairro para conservarem aquelas quantidades nas câmaras frigoríficas).
Um dia, eu ainda era adolescente, o meu pai deixou o mar. Teve uma queda num dos barcos e ficou a queixar-se de uma perna. Passou a trabalhar em terra.
Entretanto, já tinha recebido a sua parte da herança dos seus pais da vinha de Valverde, no Fundão e resolveu comprar dois andares em Queluz para arrendar. Foi uma estratégia para alimentar aquele regimento familiar alcantarense.
A minha mãe, por via das circunstâncias culturais e logísticas, era doméstica. Apesar de tudo, ainda trabalhava para a alfaiataria Alexandre na mesma rua. Fazia calças de fazenda de homem uma vez por semana. Nós é que tínhamos que levar as calças num braço, sem amarrotar, muito direitinho (senão a nossa mãe zangava-se) à sexta-feira.
Como eu gostava de a ver marcar com giz de alfaiate a peça de fazenda, cortá-la e cozê-la à máquina! Uma vez, ela esqueceu-se de guardar a peça e foi fazer outra coisa. Um de nós pôs-se a cortar a peça com a tesoura, a imitá-la. Os nervos que, coitada!, apanhou. Ainda tivemos que ir com ela levar a peça de fazenda a uma cerzideira na Ajuda para a remendar.
Eu também aprendi a gostar de costurar e cozer à máquina. Dar ao pedal. A minha mãe tinha duas máquinas antigas de costura Singer.
Eu fazia as bainhas das minhas calças (peça de roupa que só pudemos, as raparigas, começar a usar depois do 25 de abril). Apertava ou alargava a minha roupa. Alinhavava primeiro, depois provava e só depois é que cozia à máquina. Um dia quis fazer um camiseiro e fi-lo. Com ajuda da minha mãe, claro. Cortei a peça de tecido que comprei ao meu gosto (bem foleiro!), marcámos com as minhas medidas, cortámos e depois cozi à máquina. Mangas compridas de balão, como eu gostava.
A minha mãe também gostava de nos fazer a roupa, quando éramos miúdas. Um dia o meu pai trouxe das Canárias veludo vermelho (para mim mais claro porque era mais nova) e fez-nos uns vestidos de meia-estação com mangas de balão. Adorávamos aqueles vestidos. Só era pena é que fossem tão quentes! Vestíamo-los no 15 de agosto na festa da terra (nesse dia, o meu pai punha colchas vistosas nas janelas para a procissão...)
Eu fazia gosto em fazer crochet (fiz o conjunto de naperons da sala de jantar). Gostava também de fazer tricot (fiz um ou outro colete sem mangas). Aprendi com satisfação na escola em trabalhos manuais. Também aprendi tecelagem, tapeçaria, madeiras...
Mas com a exigência dos estudos, comecei a dedicar-me mais ao intelecto. Ajudava pouco em casa. Cozinhava lá em casa sobretudo quando a minha mãe engravidava e tinha de se ocupar dos bebés.
Desde cedo aprendi a gostar de cozinhar e acho que continuo a cozinhar bem. Mas tenho sempre gente à minha volta que também gosta dessa tarefa doméstica. O que não é mau...
O meu pai comprou cedo máquina de lavar roupa à minha mãe, embora ela continuasse a usar muitas vezes o tanque de lavar roupa. Eu também lavava a minha roupa à mão. O tanque estava na cozinha mesmo junto ao estendal da janela. Enquanto eu esfregava na parte da esfregadeira, avistava da janela da cozinha (o que já não se avista) a atividade das fábricas de sabão e de parafusos. E olhava demoradamente as chaminés a deitar fumo e a desenhar o céu...
Ao meio-dia em ponto tocava a sirene da fábrica para os operários interromperem o trabalho. Iam almoçar. Então a entrada do nosso prédio ficava repleto de homens sentados e de pé de macacos azuis. Era então que eu chegava da escola e tinha que falar alto para pedir licença para me deixarem entrar no prédio. Era sempre um embaraço.
Entretanto o tempo passou. Ainda não tinha terminado o 11º ano, o meu irmão mais velho ofereceu-me um curso de datilografia. Ele trabalhava em hotelaria.
Nessa altura, a datilografia fazia muita falta para começar a trabalhar num escritório. O curso durou uns meses. Tirei-o então numa escola de datilografia e estenografia em Belém.
Depois de terminar o 11º ano, e de andar contrariada a ganhar uns trocos a vender de porta em porta, empreguei-me na Imexmundo, uma empresa de empilhadores (de gente conhecida do meu irmão). Entrei com a categoria de datilógrafa. Valera a pena o curso. Trabalhava durante o dia e estudava à noite, primeiro o 12º ano e depois o curso de letras na cidade universitária.
Na Imexmundo, que já não existe (acho!), com escritório na Defensores de Chaves, conheci lá a minha colega Dª Isabel que foi muito minha amiga. Mesmo depois de sair de lá, continuei a visitá-la. Tratava-me como se fosse sua filha.
Saí de lá para ir trabalhar perto, na Casal Ribeiro, na EDP. Uma experiência profissional inolvidável. Era escriturária. Estive lá dois anos. Almoços no chinês... A minha colega Elisabete que me convidava para comemorarmos o início do outono. Íamos ao fim de semana para o «Pé Sujo» ouvir música brasileira com os respetivos. A minha colega Ana que fazia prendinhas para todos, sem razão aparente. Quando cheguei ao final do último contrato, saí da empresa como todos os contratados a prazo (já nessa altura não havia dinheiro...). Não me chateei porque me preparava para a docência. No último dia de trabalho, a minha colega Ana, apesar de eu não ser fumadora, fez muita questão que fumasse um determinado cigarro. Foi o meu primeiro e único charro.
E foi assim. Sempre a estudar à noite sem estatuto de trabalhadora-estudante. Mal tinha tempo para jantar.
Sempre a correr e, no entanto, sempre disposta a encaixar na minha falta de tempo mais um convívio com amigos.
E foi assim. Sempre a estudar à noite sem estatuto de trabalhadora-estudante. Mal tinha tempo para jantar.
Sempre a correr e, no entanto, sempre disposta a encaixar na minha falta de tempo mais um convívio com amigos.
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