Foto tirada pelo meu marido, namorado na altura |
Quem me deu o nome foi o meu pai: Rosa Maria. Um marinheiro fadista. Segundo a minha mãe, há muitos anos, conquistou o 2º prémio num concurso de fado na rádio Renascença, a cantar «Pingo de Chuva» de Alberto Ribeiro.
Os meus padrinhos de batismo (mais tarde, também do meu irmão João) eram os meus tios António e a minha tia Maria. Quando o meu pai e o meu tio foram ao registo civil, o meu tio queria por-me um nome da moda na altura. O meu pai não concordou. E, muito a custo, lá ficou decidido que me chamaria Rosa Maria, nome bem português (a mãe do meu pai chamava-se Patrocínio Rosa).
O meu tio António era um homem sensível. Chorava com facilidade. Na altura da Páscoa, era ele sempre que nos oferecia uns quantos pacotes de amêndoas. Trabalhava na fábrica de sabão da Cuf em frente ao nosso prédio. Morreu cedo.
Os familiares, que não de casa, que eu na altura gostava mais eram a minha prima Beta e a minha tia freira, que nós tratávamos por titi. Também gostava dos meus avós maternos, mas eram mais velhos e mais sérios. O meu avô até que era engraçado, pois gostava de largar umas piadas giras...
A nossa família era, e é, numerosa. Todos eram nossos amigos e visitavam-nos. A certa altura, o meu tio Cristóvão zangou-se com o meu pai e estiveram assim muito tempo. Depois lá fizeram as pazes...
Quando eu era miúda, nós íamos passar férias para a Vide com os nossos avós e com a tia Conceição, a freira. Gostávamos muito de brincar com ela na ponte nova. Da minha avó, que usava carrapito, lembro-me de ela soltar os seus lindos e compridos cabelos pretos e penteá-los ao sol na parte de cima da casa da Vide. Hoje a casa está dividida por heranças.
Fazíamos incursões pela serra, para apanhar fruta, caruma e folhada. Na levada colhíamos uvas bico de galo, uva formosa e outros tipos. Na ervideira, uva de mesa preta e branca, maçãs bravo mofo. Vínhamos sempre carregados. Tínhamos que ir muito cedo, porque no verão o sol aquecia cedo. Aprendi a gostar daqueles pinheiros altos a cheirar a resina, de ouvir o som dos corvos ao longe, de sentir o estralejar dos paus secos e das pinhas por baixo dos nossos pés...
A minha tia Conceição, apesar de freira (sem hábito, por opção), podia vestir fato de banho no rio. A minha mãe não podia porque era casada...Andava sempre com o alguidar à cabeça, cheio de roupa para lavar no rio.
Às vezes íamos só nós, os meus pais e os meus irmãos. Mas os meus avós, que eram os donos da casa, deixavam azeite e vinho na adega, batatinhas e feijão a secar nos quartos de cima. Nessa altura tínhamos que ir buscar água à fonte. E as leiras por trás da casa eram a nossa casa-de-banho.
Andávamos o ano todo a juntar dinheiro para depois irmos ao senhor Pacheco comprar rebuçados em forma de limões e de amoras. Mas bom bom eram as amoras silvestres que colhíamos junto à nossa casa, na quinta de mélroa.
Quando entrei para a escola, gostava de todas as matérias. Mas a minha inclinação ia mais para as matemáticas, desenho, ginástica, história, mais tarde química, fisica, psicologia, filosofia... Já gostava de ler livros, mas só elegi as literaturas quando fui para o secundário.
Um dia, fui fazer um trabalho sobre a II guerra mundial para a biblioteca de Belém. Estava fascinada com o enredo dos acontecimentos. Fiz um trabalho muito mais desenvolvido do que contava...
Quando entrei para a faculdade de letras, estranhei muito. Senti que facilmente me poderia perder se não ganhasse muito mais autonomia na gestão das exigências do curso. O problema era a falta de tempo (porque trabalhava durante o dia), o acesso às bibliotecas e o preço dos livros. Ainda pensei seriamente em desistir. Mas, a pouco e pouco, fui-me interessando, embora naquele ritmo ainda pós-25 abril alucinante de gente que constantemente entrava e saía das salas de aula sem pedir licença, que vinham com comida, que fumavam dentro do edifício, tão fácil e contestatário, mas tão caótico.
Foi nessa altura que conheci gente ligada à poesia e ao desenho, que se juntava na Ajuda para desenvolver atividades culturais. Era o Círculo Juvenil de Cultura, que mais tarde foi registada como Dicultural. Foram tempos de muito entusiasmo de ideias e de convívio. O Alfaro era o presidente e a Anabela a vice-presidente. Levavam muito a sério o projeto. Publicaram-se duas coletâneas de poesia: o Recortes I e o Recortes II. Eu participei no segundo. O seu lançamento foi feito em frente à minha faculdade ao final de um dia e enviámos três exemplares para o espaço em balões de hidrogénio. Não recebemos nenhum feed-back.
Uma outra atividade gira que organizámos foi uma feira de artesanato no espaço da junta de freguesia da Ajuda. Convidámos o escritor e jornalista Batista-Bastos, que era de lá. Não é que ele apareceu?!
Por isso, um dia mais tarde quando, na escola onde dava aulas, lancei o jornal de escola «O Celeiro», lembrei-me logo do Batista-Bastos. E pude contar com a sua presença e a sua disponibilidade para falar sobre jornalismo e literatura. Este jornal durou vinte e tal anos, enquanto a Escola Moinho de Maré, em Corroios, existiu.
Eu e a minha amiga Mafalda no dia do lançamento à entrada da faculdade de letras |
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