Quando eu tinha 4 a 5 anos, dizia que queria ser pintora. Por volta dos 7, 8 anos, queria ser professora primária. Por volta dos doze anos, queria ser cantora. Aos catorze anos, queria ser escritora. Aos 16 anos, queria ser jornalista. Hoje só quero ser respeitada por ser quem a vida quis que eu fosse.
Até porque acabei, afinal de contas, por ser um pouco de todas essas profissões.
Também aprendi a gostar de cinema muito cedo.
O nosso pai comprou televisão passado pouco tempo de ser inaugurada a RTP1. A caixinha que fazia as delícias lá de casa.
Ao cinema propriamente dito, só fui mais tarde. Fui ao Londres com o grupo de jovens da igreja, quando tinha quinze anos, ver o «Norma Rae» com a Sally Field. Era um grupo que sabia o que queria. Com o diácono João Afonso. O Manel e o Carlos, professores da Ferreira Borges. A Gabriela, também professora. E depois os alunos, que éramos nós. Mas o grupo era só um.
Apesar de preferir os convívios de domingo de manhã na igreja, uma vez por mês ia com os meus irmãos mais novinhos ver a sessão infantil da Promotora, no Calvário, das longas metragens da Walt Disney, que eu também apreciava muito. Ainda nem sequer existiam lojas para alugar filmes!
Já muito novinha que eu gostava de apoiar os mais novos. Ia com os meus irmãos mais novos ao médico (com o meu irmão Paulo ia ao oftalmologista, por ex.). Ajudava-os nas matrículas da escola e outros assuntos. Ia com eles ao Planetário (o meu irmão Paulo ganhou lá um prémio com um desenho sobre astronomia). Fui monitora em Janas, Sintra, e fiz questão de levar os meus irmãos mais novos. Era eu também muito nova nessa altura, mais a minha colega Carmen, e já planeávamos programas com eles muito engraçados na Praia das Maças, nas Azenhas do Mar, no próprio sítio do acampamento... Tentei fazer com os miúdos o que tinha feito na mesma colónia de férias enquanto miúda (só que antes dormia-se mesmo no edifício que depois ficou ocupado com os desalojados de África; as tendas militares surgiram depois).
A Carmen, a minha colega monitora, entretanto foi para o curso de medicina e já há algum tempo que não nos vemos.
Quando comecei a trabalhar aos 17 anos, com o dinheirito que sobrava, trazia guloseimas para os mais jovens da casa. Eles tinham também muito interesses. Então conversávamos sobre astronomia, pesca, desporto... Brincávamos aos índios e aos cowboys. Aos países. À batalha naval...
Quando o meu pai comprou carro, foi uma alegria na rua das Fontainhas. Toda a gente a admirar o carro, o Opel Record quase de coleção.
Depois começámos a ir para a Vide de carro. Três à frente e cinco atrás. Não havia grande controle nas estradas. Cantávamos, conversávamos nas viagens, na Vide, em Alcântara... «Mafu mata mesmo tu!» Imitavam-se as vozes dos anúncios publicitários. Faziamos uma vez por ano em família a viagem a Sintra, íamos a Monserrate, rebolávamos lá na relva inclinada, íamos ao castelo dos mouros (ainda não se pagava entrada)...
Da infância e adolescência, ficaram-me amizades giras. Da rua, com quem brincava (a minha amiga Olga que vim a reencontrá-la no primeiro ano que dei aulas). Da catequese e do grupo de jovens. E, sobretudo, da escola. Na escola partilhei interesses com colegas que me motivaram a seguir os estudos superiores, o ensino...
O meu primeiro livro foi Olhai os Lírios do Campo de Érico Veríssimo. Requisitei-o na biblioteca ambulante da Gulbenkian, que estacionava lá ao pé da nossa casa. Foi o primeiro que li todo, por vontade própria. A partir de então, fui requisitando livros com frequência.
As minhas primeiras experiências literárias a sério aconteceram já no secundário. Com um professor açoriano que nos dava duas cadeiras: Português e Literatura. Eu tinha seguido Humanidades. Era uma verdadeira cobaia do unificado. Tive disciplinas experimentais com pouco futuro no currículo escolar, como aquelas ligadas ao serviço de bibliotecas, por ex.
Escrevi no 10º ano um texto em que eu própria era a voz de Inês de Castro. O professor estava comovido a ler o texto para os meus colegas. Pensei nesse texto durante muito tempo...
Da esquerda para a direita, em cima: a minha irmã, a minha mãe, o meu pai e eu em baixo: o meu irmão João, o meu irmão Paulo e o meu irmão Alex. (o fotógrafo de serviço era o meu irmão mais velho) |
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