Da esquerda para a direita: a minha mãe, a minha tia Conceição freira, a minha avó materna, o meu avô materno, o meu irmão João, o meu irmão Zé, a minha irmã e eu. |
Como já devem saber, a carreira profissional que abracei foi a docência. Tenho ensinado, gostando de aprender. Mas o curioso é que gostamos tanto de nos ensinarmos uns aos outros. Então os adultos entre si, é curioso assistir... Julgamos que temos muita autoridade para ensinar o outro, quando nós sabemos que educar não é/não deve ser roubar a individualidade... É um assunto tão interessante quanto polémico. Apetece dizer: «Não me eduquem, por favor!»
Ser criança é ser permeável ao exemplo do outro.
A criança, que julgo que fui, foi sempre uma criança simultaneamente atenta e sonhadora.
Gostava de participar nos projetos dos mais velhos, o que é o normal. Felizmente tinha irmãos mais velhos.
Quando alguém fazia anos, por exemplo, gostava de dar o meu contributo para a compra de uma prenda. Era sacramental. Fazíamos habitualmente um bolo instantâneo. Alsa, alsa. Mas éramos felizes nesta modesta comemoração.
Durante anos, oferecemos canecas de barro ao meu pai. Como durante o ano, ele (ou alguém por ele) quebrava a caneca, vinha sempre a calhar outra igual.
Eu gostava de guardar as minhas prendas para as poder admirar ao longo do ano. Quando tinham simbologia para mim. Às vezes até recortes dos jornais e revistas de imagens de filmes ou pessoas que me tinham marcado. (A minha mãe era muito mais estimada com as prendas: guardava todas numas arcas lá de casa e depois até se esquecia que as tinha quando precisava delas). Tinha mesmo os meus segredos em caixinhas. Os meus papéis. O meu primeiro diário.
As minhas amigas também eram pessoas atentas aos meus gostos.
Desde muito novinha que gosto de ler palavras que me tocam.
Punha-me a ler em voz alta textos que escolhia, mesmo quando estava sozinha.
Um dia a minha mãe pediu-me para lhe declamar um poema. Eu escolhi o «Poema à Mãe» de Eugénio de Andrade. A minha mãe gostou, mas ficou a olhar de forma estranha para mim. Acabou por me explicar que o último verso, para ela, a tinha magoado: «Boa noite. Eu vou com as aves.»
Só uns bons anos mais tarde é que saí de casa. Com 22 anos. Mesmo assim a minha mãe chorou na cerimónia.
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