Atravessa esta janela o meu olhar dum sonho infinito
E a tonalidade da natureza é ténue de tons de pavio
Que largam o corpo adormecido na sombra da casa
A janela à chuva intensa daquelas árvores
despidas...
O canto que sonho é rouco imerso nas águas
da paisagem desfocada pela chuva batida a vento
Mas o meu espírito olha o sol para lá do horizonte
E as cores atravessam os vidros embaciados das janelas.
Solto em grande suspiro o abandono duplo do corpo
Chuva oblíqua Rosa Maria Duarte Rosa Maria Duarte 40x50 |
Que parece me acordar no exterior chuvoso da casa
E os carros passam a derrapar nos lençóis frios
da minha cama inundada de água da chuva oblíqua
Que entra pelas frinchas da janela velha e antiga
Desta casa transparente de recordações de alguém
Que parecem minhas ou quase de quem eu sou
Não sei quem me adormece...
Neste cair compassado de chuva teimosa e fria
Num renque de árvores, estrada a entrar a porta
desta casa com janela fechada, mas tão molhada
De um sonho que não me acordo porque entra
de mansinho e fica dentro de mim.
Ilumina-se a sala onde a janela esconde o dia
riscado de chuva marítima da costa atlântica
que sacode a luz baixa dos livros sobre a mesa
e discursam sobre a chuva a bater nas vidraças
num dia cinzento escuro sem formas definidas
mas tons de cor tremeluzentes nos vidros da janela.
Um esplendor de altar-mor de domingo missal
em oração solene de fiéis como eu, sentida,
que se ajoelham num dia quase triste de chuva
benzida pelo amor do padre a cantar, feliz.
A casa é um carro com lugares sentados
para pensar, cantar e orar
de luzes apagadas e janela fechada.
Que trompete choroso se eleva daqui!
O silêncio do quarto em que durmo
leva-me até ao sofá onde me vejo também
de olhos com pestanas tremibundas a brincar
com o sono em sonhos de grandes chuvas
que batem oblíquas na janela de mim
e teimam em acordar-me.
A maestrina sacode a batuta do olhar
e faz romper uma serenata à chuva
perto do roupeiro do meu quarto cheio de sonhos
grandes, pequenos, leves, pesados, tristes
e oblíquos, cheios de chuva, de sol, de nuvens
cinzentas escuras que querem entrar os vidros
e rebentar em cima do meu corpo-barco
que flutua em lençóis de água no jardim
da casa em que me habito.
Cordas dedilhadas fazem-me gemer a cantar
e acordo a cantar, como se fosse pássaro
fechado num quarto sem chuva por dentro
e janela riscada de vento e sentimento.
4-12-2016
Rosa Maria Duarte
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